quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Lu Aiko Otta - Congresso Nacional, o fiador do arcabouço

Valor Econômico

É hora de o governo mostrar que não será só pelo lado das receitas que as contas serão ajustadas

Uma assombração ronda a Esplanada dos Ministérios: a volta do teto de gastos no orçamento de 2024. É usual ouvir que isso não existe, mas volta e meia aparece nas conversas dos técnicos.

Embora seja pouco provável, o teto pode voltar. Dará as cartas no orçamento de 2024, se o Congresso não aprovar o arcabouço fiscal.

Seria um desastre não só para o governo, mas para o país, afirma o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães. Sob o teto, os R$ 155 bilhões acrescentados aos gastos federais este ano, graças à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, teriam de ser cortados. Haveria um encolhimento drástico nas despesas.

É um cenário tão ruim que nem é levado em conta. O Ministério do Planejamento elabora a proposta do orçamento de 2024 supondo que no ano que vem não haverá mais o teto, e sim o arcabouço conforme aprovado no Senado Federal. Ainda assim, a situação é desconfortável.

Primeiro, porque ainda não se sabe exatamente como ficará o novo arcabouço fiscal. As alterações que os senadores fizeram ao texto que havia sido aprovado pela Câmara serão agora submetidas aos deputados. E o relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), deixou clara sua discordância com alguns pontos. Ou seja, o Planejamento trabalha a partir de pressupostos que tendem a mudar.

Segundo, porque a estreia do arcabouço ocorrerá em clima de final de campeonato. Pela nova regra, o governo federal tem de zerar o déficit fiscal no ano que vem.

O mercado não acredita que seja possível. Na pesquisa mensal Prisma Fiscal, realizada pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a mediana das instituições estima déficit de R$ 82 bilhões no ano que vem. No exterior, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um resultado negativo de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024.

Para o professor de Economia da Fundação Getulio Vargas Joelson Sampaio, zerar o déficit em 2024 é algo “bem desafiador”. Ele, no entanto, considera que a aprovação do arcabouço e da reforma tributária podem melhorar o ambiente no ano que vem. Com a economia mais aquecida, haveria maior arrecadação. Assim, tudo dando certo, o objetivo se tornaria viável. “Estou otimista, mas o resultado ainda está muito distante”, resume. “O governo vai na direção de quem quer zerar o déficit.”

Pelas contas dos técnicos, faltam cerca de R$ 130 bilhões para chegar a um orçamento equilibrado em 2024. E esse buraco será fechado com medidas que vão elevar receitas. Em boa parte, dependerão da aprovação pelo Congresso Nacional. O governo aposta na cooperação.

“O Congresso é um fiador desse arcabouço”, afirma Guimarães. Uma vez aprovada a nova regra fiscal, também o Legislativo estará pressionado a dar condições para que seja cumprida. “É uma questão de aritmética e de razoabilidade: como é que ele [o Congresso] vai explicar para a sociedade que exigiu um determinado nível de solidez fiscal, você [o Executivo] manda dez medidas e nenhuma é aprovada?”

Cajado concorda que o Congresso é fiador do arcabouço. Mas faz uma ressalva: o governo, por sua vez, não pode criar novas despesas e esperar que deputados e senadores aprovem aumentos de impostos para financiá-las. “Se há dúvida que o déficit zero será alcançado, para que criar novas despesas?” Ele cita como exemplo a elevação do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) que entrou em vigor em maio passado, com impacto estimado de R$ 5,88 bilhões em 2024.

Os líderes partidários na Câmara dos Deputados ainda vão discutir as alterações no arcabouço que pretendem acatar. O relator discorda, por exemplo, da exclusão de despesas com Ciência e Tecnologia e com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) do limite de despesas. Reconhece que são gastos meritórios, mas questiona por que outros programas importantes não tiveram igual tratamento. “Tudo o que tem impacto no resultado primário tem de estar na base”, afirma. “Despesa é despesa.”

A prevalecer esse entendimento, o quadro de restrição orçamentária que já vem causando dissabores pela Esplanada vai se agravar. Serão mais itens a serem encaixados num limite de gastos já apertado.

Dissipar dúvidas de que o governo encerrará o próximo ano com déficit zero ou, na pior das hipóteses, dentro da margem de tolerância do arcabouço (até 0,25% do PIB), será importante para manter a trajetória de melhora do ambiente econômico. É possível criar condições para tanto, da mesma forma como se vê neste ano.

Mas também é hora de o governo mostrar que não será só pelo lado das receitas que as contas serão ajustadas. O sinal amarelo já está aceso no Congresso Nacional.

É hoje

Hoje é dia de decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). Otimista, Joelson Sampaio aposta em um corte de 0,5%. Cajado acha que é preciso ir devagar com o andor e crava 0,25%.

 

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