Valor Econômico
É hora de o governo mostrar que não será só
pelo lado das receitas que as contas serão ajustadas
Uma assombração ronda a Esplanada dos
Ministérios: a volta do teto de gastos no orçamento de 2024. É usual ouvir que
isso não existe, mas volta e meia aparece nas conversas dos técnicos.
Embora seja pouco provável, o teto pode
voltar. Dará as cartas no orçamento de 2024, se o Congresso não aprovar o
arcabouço fiscal.
Seria um desastre não só para o governo, mas para o país, afirma o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães. Sob o teto, os R$ 155 bilhões acrescentados aos gastos federais este ano, graças à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, teriam de ser cortados. Haveria um encolhimento drástico nas despesas.
É um cenário tão ruim que nem é levado em
conta. O Ministério do Planejamento elabora a proposta do orçamento de 2024
supondo que no ano que vem não haverá mais o teto, e sim o arcabouço conforme
aprovado no Senado Federal. Ainda assim, a situação é desconfortável.
Primeiro, porque ainda não se sabe
exatamente como ficará o novo arcabouço fiscal. As alterações que os senadores
fizeram ao texto que havia sido aprovado pela Câmara serão agora submetidas aos
deputados. E o relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), deixou
clara sua discordância com alguns pontos. Ou seja, o Planejamento trabalha a
partir de pressupostos que tendem a mudar.
Segundo, porque a estreia do arcabouço
ocorrerá em clima de final de campeonato. Pela nova regra, o governo federal
tem de zerar o déficit fiscal no ano que vem.
O mercado não acredita que seja possível. Na
pesquisa mensal Prisma Fiscal, realizada pela Secretaria de Política Econômica
do Ministério da Fazenda, a mediana das instituições estima déficit de R$ 82
bilhões no ano que vem. No exterior, o Fundo Monetário Internacional (FMI)
projeta um resultado negativo de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024.
Para o professor de Economia da Fundação
Getulio Vargas Joelson Sampaio, zerar o déficit em 2024 é algo “bem
desafiador”. Ele, no entanto, considera que a aprovação do arcabouço e da
reforma tributária podem melhorar o ambiente no ano que vem. Com a economia
mais aquecida, haveria maior arrecadação. Assim, tudo dando certo, o objetivo
se tornaria viável. “Estou otimista, mas o resultado ainda está muito
distante”, resume. “O governo vai na direção de quem quer zerar o déficit.”
Pelas contas dos técnicos, faltam cerca de
R$ 130 bilhões para chegar a um orçamento equilibrado em 2024. E esse buraco
será fechado com medidas que vão elevar receitas. Em boa parte, dependerão da
aprovação pelo Congresso Nacional. O governo aposta na cooperação.
“O Congresso é um fiador desse arcabouço”,
afirma Guimarães. Uma vez aprovada a nova regra fiscal, também o Legislativo
estará pressionado a dar condições para que seja cumprida. “É uma questão de
aritmética e de razoabilidade: como é que ele [o Congresso] vai explicar para a
sociedade que exigiu um determinado nível de solidez fiscal, você [o Executivo]
manda dez medidas e nenhuma é aprovada?”
Cajado concorda que o Congresso é fiador do
arcabouço. Mas faz uma ressalva: o governo, por sua vez, não pode criar novas
despesas e esperar que deputados e senadores aprovem aumentos de impostos para
financiá-las. “Se há dúvida que o déficit zero será alcançado, para que criar
novas despesas?” Ele cita como exemplo a elevação do limite de isenção do
Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) que entrou em vigor em maio passado,
com impacto estimado de R$ 5,88 bilhões em 2024.
Os líderes partidários na Câmara dos
Deputados ainda vão discutir as alterações no arcabouço que pretendem acatar. O
relator discorda, por exemplo, da exclusão de despesas com Ciência e Tecnologia
e com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) do limite de despesas.
Reconhece que são gastos meritórios, mas questiona por que outros programas
importantes não tiveram igual tratamento. “Tudo o que tem impacto no resultado
primário tem de estar na base”, afirma. “Despesa é despesa.”
A prevalecer esse entendimento, o quadro de
restrição orçamentária que já vem causando dissabores pela Esplanada vai se
agravar. Serão mais itens a serem encaixados num limite de gastos já apertado.
Dissipar dúvidas de que o governo encerrará
o próximo ano com déficit zero ou, na pior das hipóteses, dentro da margem de tolerância
do arcabouço (até 0,25% do PIB), será importante para manter a trajetória de
melhora do ambiente econômico. É possível criar condições para tanto, da mesma
forma como se vê neste ano.
Mas também é hora de o governo mostrar que
não será só pelo lado das receitas que as contas serão ajustadas. O sinal
amarelo já está aceso no Congresso Nacional.
É hoje
Hoje é dia de decisão do Comitê de Política
Monetária (Copom). Otimista, Joelson Sampaio aposta em um corte de 0,5%. Cajado
acha que é preciso ir devagar com o andor e crava 0,25%.
Muito bom.
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