quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Malu Gaspar – Um blecaute e uma cortina de fumaça

O Globo

Na manhã da terça-feira, 29 milhões de brasileiros de todos os estados, com exceção de Roraima, sentiram os efeitos do desligamento repentino no fornecimento de energia. De uma hora para outra, celulares pararam de funcionar, metrôs desaceleraram, milhares de geradores foram acionados, e muita gente não pôde ir trabalhar.

Da última vez que houve um abalo parecido, em 2009, o presidente também era Lula. O então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, primeiro atribuiu o blecaute a raios e ventos que haviam derrubado três circuitos ligados à Usina de Itaipu na região de Itaberá, em São Paulo, e a investigação do Operador Nacional do Sistema (ONS) demonstrou ainda que houve um curto-circuito numa subestação de Furnas.

Na época, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, admitiu que o Brasil não estava livre de blecautes, mas passou parte da entrevista reforçando que o país viera do racionamento em 2001, na gestão de Fernando Henrique Cardoso: “Uma coisa é blecaute. O que nós prometemos é que não terá nesse país mais racionamento. Racionamento é barbeiragem”.

Desta vez, o bode expiatório foi a privatização da Eletrobras. A primeira-dama, Janja, puxou o cordão:

“A Eletrobras foi privatizada em 2022. Era só esse o tuíte”, postou.

Deputados e senadores da base governista foram na mesma toada, sugerindo que o “crime” da privatização levou à queda nos investimentos da companhia — e que essa era a causa do apagão.

No final do dia, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, deu uma entrevista de mais de uma hora em que passou a maior parte do tempo criticando a privatização da Eletrobras, ainda que a pergunta fosse noutra direção.

Mesmo afirmando que o sistema elétrico era robusto e bem planejado, Silveira disse que o fato de a Eletrobras ser privada gerava “instabilidade” no sistema, afirmou que a privatização fez muito mal ao país e se queixou de falta de “sinergia” entre a empresa e o governo.

Como exemplo dessa falta de sinergia, citou o fato de a troca do presidente da companhia, na noite anterior, não ter sido comunicada previamente a ele.

Depois de dizer que havia convocado a PF e a Abin para investigar o caso, embolou numa explicação confusa para a suspeita de sabotagem fatores que iam dos ataques às torres de energia que precederam o 8 de Janeiro à importância estratégica do sistema para o Brasil — passando, claro, pela privatização.

Enquanto isso, nos corredores dos ministérios, circulava aos cochichos uma teoria da conspiração bem ao estilo bolsonarista, segundo a qual o CEO demissionário da Eletrobras poderia ter arquitetado, como vingança, um golpe para derrubar o sistema.

Ao final, o ministro ainda disse que não seria “leviano de afirmar que a causa foi a privatização”. Mas foi exatamente esse o recado na entrevista que teve de tudo, menos uma explicação consistente para o apagão em si. Espera-se que ela venha nesta quinta-feira, num relatório elaborado pelos técnicos do Operador Nacional do Sistema (ONS).

Já está bem claro, e o próprio Silveira admitiu na entrevista, que falhas numa única linha de transmissão, seja da Eletrobras ou de qualquer outra empresa, não tinham como derrubar parte tão grande do sistema elétrico nacional. Pode-se até abominar a privatização, mas o próprio governo informa que não há, por ora, nenhuma relação entre ela e o apagão.

Na mesma manhã do blecaute, a Petrobras promoveu o primeiro aumento no preço dos combustíveis deste governo Lula — de 16,3% na gasolina, que voltou aos patamares da gestão Bolsonaro, e de 25,8% no diesel.

A Petrobras é controlada pelo governo, mas sobre isso ninguém fez perguntas na entrevista, nem o ministro Silveira fez questão de dizer palavra. Nenhum petista relevante foi às redes sociais protestar contra o aumento, e na agenda do presidente Lula o dia passou como se nada estivesse acontecendo nas bombas dos postos de abastecimento.

A estratégia de criar cortinas de fumaça para empurrar a adversários a responsabilidade por problemas com grande potencial de dano político é manjada. Mas o truque não dura para sempre. Eventuais aumentos no preço dos combustíveis continuarão desafiando a retórica governista e tendo impacto na inflação.

A Eletrobras, pelo menos por ora, continuará privada. O blecaute ainda precisará ser esclarecido. E já deveríamos ter aprendido com a experiência recente que teorias da conspiração não costumam levar a um final feliz.

 

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