Valor Econômico
Javier Milei, candidato de extrema direita
à presidência argentina e vencedor das eleições primárias, defende dolarizar a
economia e fechar o Banco Central
Dois dias depois das prévias lideradas pelo
candidato da extrema direita, Javier
Milei, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva encontra, nesta terça-feira, o
presidente argentino Alberto
Fernández na posse de Santiago Peña na Presidência do Paraguai.
No governo brasileiro espera-se que as
restrições orçamentárias hoje vigentes no país já sejam suficientemente
conhecidas para que não se reprise nova rodada de pressões por uma ajuda
financeira a pretexto de evitar a eleição de Milei no pleito presidencial de
outubro.
A maior preocupação é a preservação do Mercosul. O bloco dificilmente resistiria a uma Argentina dolarizada, como vaticina Milei. Não é o único bloco que preocupa. A Argentina ainda pode vir a ser um peso morto para a presidência brasileira no G20, uma vez que o país vizinho tem assento permanente no bloco.
Em qualquer cenário, a Argentina tende a
ser a maior dor de cabeça da economia brasileira em 2024. Ainda assim, são
praticamente nulas as chances de uma ajuda brasileira prosperar, especialmente
num momento em que a Câmara dos Deputados volta a se debruçar sobre o arcabouço
fiscal, regra que exige comprometimento do Estado com o controle de gastos.
No limite, o encontro dos países dos Brics
na África do Sul no fim do mês poderia aprovar a entrada da Argentina, o que,
teoricamente, deixaria o país mais próximo da um eventual empréstimo do banco
do bloco, comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff. O movimento, porém,
parece insuficiente para reverter o quadro em favor do candidato peronista,
Sergio Massa.
O exemplo que justifica as dificuldades já
foi usado junto ao próprio Massa quando o candidato estava à frente do
Ministério da Economia. A seca provocada pelo El Niño provocou uma queda
estimada de 40% nas exportações argentinas, o que teria elevado o rombo nas
contas do país a US$ 17 bilhões. As limitações do governo brasileiro ficam
claras quando se compara a ajuda do Tesouro ao Estado do Rio Grande do Sul,
afetado pelo mesmo fenômeno climático: R$ 400 milhões.
Some-se a isso, a própria indefinição do
quadro eleitoral. Nada garante que um acordo com o atual governo venha a ser
honrado por um candidato “anarcocapitalista”, como se define Milei. O governo
brasileiro aguarda a reação da China à liderança da extrema direita. Ainda que
o impacto não seja sistêmico como aquele que se teme sobre o Brasil, não se
espera que a China, como principal parceiro comercial da Argentina, venha a
ficar indiferente à ameaça de dolarização.
Ao contrário de Massa, que manteve, como
ministro da Economia, contatos quase diários com autoridades econômicas brasileiras,
o governo brasileiro não tem a mesma proximidade com Patricia Bullrich, a
ex-ministra de segurança do governo Mauricio Macri que representa a direita
tradicional e ficou em segundo lugar nas prévias.
Há, porém, avaliações internas no governo
brasileiro de que Bullrich venceria mais facilmente Milei no segundo turno do
que Massa até mesmo com o apoio de setores do peronismo, integrado, no passado,
pela candidata.
Conta-se ainda com a reação do mercado ao
protagonismo de Milei. Frequentemente comparado a Jair Bolsonaro, com quem
partilhou o marqueteiro, Fernando Cerimedo, protagonista de uma “live” na
campanha brasileira do ano passado com mentiras sobre as urnas eletrônicas,
Milei, ao contrário do ex-presidente brasileiro, assusta investidores. Não tem
um Paulo Guedes para ancorar as expectativas de mercado, apenas suas próprias
excentricidades de economista ultraliberal.
Para uma autoridade brasileira que lida com
o tema e estudou o mapa eleitoral das prévias, a votação de Milei foi um ato de
revolta das províncias contra os portenhos de Buenos Aires. Esta rebeldia, diz,
pode vir a ser revertida com a ameaça disruptiva que sua eleição representaria.
Desde a posse do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o governo traçou a vitória de Massa como o cenário mais
desejável. Este cenário ancorou muitas tentativas para envolver o governo
brasileiro no resgate argentino. Seus defensores argumentavam pela necessidade
para evitar que o Brasil viesse a ter, como principal vizinho, um representante
da mesma extrema-direita que o eleitorado tupiniquim derrotou há menos de um
ano.
A primeira tentativa do governo argentino
foi obter do Brasil uma operação de Tesouro para Tesouro, a exemplo daquela que
já foi feita para pagar o FMI. A última renegociação com o fundo, no fim de
julho, foi garantida tanto por uma operação em yuan chinês quanto por meio de
um empréstimo da Corporação Andina de Fomento (CAF). O Brasil, porém, jamais
fez operação semelhante de “swap cambial”, de Tesouro para Tesouro, com
qualquer país.
A segunda tentativa foi uma linha de
financiamento do BNDES. A operação também esbarrou na exigência, de bancos
privados, por uma garantia do governo brasileiro à operação. O problema é que
esta garantia não teria lastro. A proposta argentina de oferecer o gás natural
dos poços de Vaca Muerta é que esta reserva energética está debaixo da terra e
não há ainda estrutura de exploração ou transporte.
A dramaticidade da situação se completa com a perspectiva de elevação das taxas de juros nos Estados Unidos - que desfavorece até países emergentes ajustados, que dirá a Argentina.
É melhor cantar um tango argentino,rs.
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