terça-feira, 15 de agosto de 2023

Maria Cristina Fernandes - Ameaça de dolarização sobre Mercosul é a principal preocupação do Brasil

Valor Econômico

Javier Milei, candidato de extrema direita à presidência argentina e vencedor das eleições primárias, defende dolarizar a economia e fechar o Banco Central

Dois dias depois das prévias lideradas pelo candidato da extrema direita, Javier Milei, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontra, nesta terça-feira, o presidente argentino Alberto Fernández na posse de Santiago Peña na Presidência do Paraguai.

No governo brasileiro espera-se que as restrições orçamentárias hoje vigentes no país já sejam suficientemente conhecidas para que não se reprise nova rodada de pressões por uma ajuda financeira a pretexto de evitar a eleição de Milei no pleito presidencial de outubro.

A maior preocupação é a preservação do Mercosul. O bloco dificilmente resistiria a uma Argentina dolarizada, como vaticina Milei. Não é o único bloco que preocupa. A Argentina ainda pode vir a ser um peso morto para a presidência brasileira no G20, uma vez que o país vizinho tem assento permanente no bloco.

Em qualquer cenário, a Argentina tende a ser a maior dor de cabeça da economia brasileira em 2024. Ainda assim, são praticamente nulas as chances de uma ajuda brasileira prosperar, especialmente num momento em que a Câmara dos Deputados volta a se debruçar sobre o arcabouço fiscal, regra que exige comprometimento do Estado com o controle de gastos.

No limite, o encontro dos países dos Brics na África do Sul no fim do mês poderia aprovar a entrada da Argentina, o que, teoricamente, deixaria o país mais próximo da um eventual empréstimo do banco do bloco, comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff. O movimento, porém, parece insuficiente para reverter o quadro em favor do candidato peronista, Sergio Massa.

O exemplo que justifica as dificuldades já foi usado junto ao próprio Massa quando o candidato estava à frente do Ministério da Economia. A seca provocada pelo El Niño provocou uma queda estimada de 40% nas exportações argentinas, o que teria elevado o rombo nas contas do país a US$ 17 bilhões. As limitações do governo brasileiro ficam claras quando se compara a ajuda do Tesouro ao Estado do Rio Grande do Sul, afetado pelo mesmo fenômeno climático: R$ 400 milhões.

Some-se a isso, a própria indefinição do quadro eleitoral. Nada garante que um acordo com o atual governo venha a ser honrado por um candidato “anarcocapitalista”, como se define Milei. O governo brasileiro aguarda a reação da China à liderança da extrema direita. Ainda que o impacto não seja sistêmico como aquele que se teme sobre o Brasil, não se espera que a China, como principal parceiro comercial da Argentina, venha a ficar indiferente à ameaça de dolarização.

Ao contrário de Massa, que manteve, como ministro da Economia, contatos quase diários com autoridades econômicas brasileiras, o governo brasileiro não tem a mesma proximidade com Patricia Bullrich, a ex-ministra de segurança do governo Mauricio Macri que representa a direita tradicional e ficou em segundo lugar nas prévias.

Há, porém, avaliações internas no governo brasileiro de que Bullrich venceria mais facilmente Milei no segundo turno do que Massa até mesmo com o apoio de setores do peronismo, integrado, no passado, pela candidata.

Conta-se ainda com a reação do mercado ao protagonismo de Milei. Frequentemente comparado a Jair Bolsonaro, com quem partilhou o marqueteiro, Fernando Cerimedo, protagonista de uma “live” na campanha brasileira do ano passado com mentiras sobre as urnas eletrônicas, Milei, ao contrário do ex-presidente brasileiro, assusta investidores. Não tem um Paulo Guedes para ancorar as expectativas de mercado, apenas suas próprias excentricidades de economista ultraliberal.

Para uma autoridade brasileira que lida com o tema e estudou o mapa eleitoral das prévias, a votação de Milei foi um ato de revolta das províncias contra os portenhos de Buenos Aires. Esta rebeldia, diz, pode vir a ser revertida com a ameaça disruptiva que sua eleição representaria.

Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo traçou a vitória de Massa como o cenário mais desejável. Este cenário ancorou muitas tentativas para envolver o governo brasileiro no resgate argentino. Seus defensores argumentavam pela necessidade para evitar que o Brasil viesse a ter, como principal vizinho, um representante da mesma extrema-direita que o eleitorado tupiniquim derrotou há menos de um ano.

A primeira tentativa do governo argentino foi obter do Brasil uma operação de Tesouro para Tesouro, a exemplo daquela que já foi feita para pagar o FMI. A última renegociação com o fundo, no fim de julho, foi garantida tanto por uma operação em yuan chinês quanto por meio de um empréstimo da Corporação Andina de Fomento (CAF). O Brasil, porém, jamais fez operação semelhante de “swap cambial”, de Tesouro para Tesouro, com qualquer país.

A segunda tentativa foi uma linha de financiamento do BNDES. A operação também esbarrou na exigência, de bancos privados, por uma garantia do governo brasileiro à operação. O problema é que esta garantia não teria lastro. A proposta argentina de oferecer o gás natural dos poços de Vaca Muerta é que esta reserva energética está debaixo da terra e não há ainda estrutura de exploração ou transporte.

A dramaticidade da situação se completa com a perspectiva de elevação das taxas de juros nos Estados Unidos - que desfavorece até países emergentes ajustados, que dirá a Argentina.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É melhor cantar um tango argentino,rs.