O Globo
A extensa lista de obras do PAC não chega a
constituir um programa estruturado. Faltam diagnósticos para definir
prioridades
O estado como indutor direto do crescimento
teve seus dias de glória. O Brasil estava em um outro estágio de
desenvolvimento. Com reduzido estoque de capital, o país se beneficiou do
ativismo estatal e saiu da pobreza, mas não sem grandes custos, como inflação
descontrolada e crises frequentes, e grandes erros — exemplo emblemático é a
Transamazônica.
Tornar o país rico demanda outro desenho,
com protagonismo do setor privado, investindo e inovando, e colhendo ganhos de
produtividade — é o que mostra a experiência internacional. O dinamismo do
setor privado demanda, porém, um estado forte, que oferte serviços públicos de
qualidade e marcos jurídicos que propiciem um ambiente de negócios saudável e
de competição entre os players.
É nesse caminho que o Brasil precisa insistir. E há bons exemplos de políticas públicas bem-sucedidas que precisam ser replicadas (como a educação em alguns estados) e aprimoradas (como o SUS). Não se justifica um plano grandioso, como o Novo PAC. Pelo contrário, cabe eliminar gastos que não entregam o prometido, causam distorções e injustiças, e pesam na carga tributária.
Da cifra de R$
1,7 trilhão (R$ 1,4 trilhão nesta gestão), R$ 371 milhões provêm do orçamento
federal (R$ 349 nesta gestão), ou 3,6% do PIB. Não há definição
de fonte de financiamento, o que constitui uma grande falha. Bancos públicos
entrarão com expressivos R$ 362 bilhões, que demandarão funding e capital das
instituições. De onde virão?
O programa traz
nove eixos de ação, cobrindo 41 itens e algumas centenas de obras.
Tem de tudo ali, de atenção primária na saúde a investimento na indústria de
defesa. É verdade que no Brasil tudo parece urgente, mas a ausência de
definição de prioridades denuncia a falta de planejamento.
Muitas obras nem deveriam ser incluídas,
devendo o foco ser a melhor alocação e gestão de recursos, inclusive nos entes
subnacionais, e não sua ampliação.
É didática a comparação com o ambicioso
Inflation Reduction Act dos EUA. Em que pesem as dúvidas quanto à sua eficácia
para reduzir o custo de vida, o desenho do programa traz lições importantes. O
documento é detalhado, refletindo seu planejamento; seu escopo é bem definido,
tendo como objetivos principais a redução do custo da energia e a transição
para energia limpa, para diminuir a emissão de carbono em cerca de 40% até
2030; há definição de fonte de recursos; e prevê mudanças de regras de
licenciamento.
O orçamento equivale a 3,5% do PIB, a ser
dispendido em dez anos. Nada que lembre o PAC.
A extensa lista de obras do PAC não chega a
constituir um programa estruturado. Faltam diagnósticos para definição de
prioridades, e não se fala em análise de custo-benefício de cada obra, algo
necessário mesmo para as inacabadas.
Tampouco se trata de um plano de aceleração
do crescimento. Convém não confundir o impulso econômico de curto prazo, por
conta dos dispêndios governamentais, com a promoção do crescimento sustentado
de longo prazo.
Este requer formação de capital humano,
fomento à pesquisa e à inovação, oferta de infraestrutura com retorno social
superior ao privado e serviços públicos de qualidade.
A palavra que resume os pré-requisitos para
boas políticas públicas é governança, um ponto de grande fragilidade da nossa
administração pública, como ensina Claudio Frischtak. Como apontado pelo
Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), uma das falhas
mais presentes nas obras públicas é a deficiência de planejamento, com projetos
inexistentes ou deficientes, sobrepreço ou serviço de baixa qualidade técnica.
A pesquisadora Adriana Portugal conclui que
“em decorrência de empreendimentos mal planejados, as licitações irregulares
levam a contratos, inevitavelmente, irregulares. A distorção de uma etapa se
propaga em outra, dando lugar a outras irregularidades durante a fase
contratual”.
É meritória a menção à necessidade de
adequar o ambiente regulatório, o licenciamento ambiental, e os mecanismos de
concessão e de parcerias público-privadas. É crucial pois a concretização
desses planos como pré-requisito às obras do PAC.
Por ora, as preocupações geradas excedem os
méritos.
Enquanto o governo fala em projetos do
“Brasil grande”, a sociedade se impressiona menos com cifras trilionárias e
anseia por melhorar sua vida e prosperar.
Pode ser.
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