quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Bruno Boghossian - ‘Ninguém precisa saber’

Folha de S. Paulo

Voto sigiloso removeria tribunal de Fla-Flu raivoso para atirá-lo na suspeição de uma sala secreta

Lula acredita que os ministros do STF deveriam se esconder um pouco. Para reduzir a animosidade contra os magistrados, o presidente defendeu que os votos de cada integrante da corte sejam sigilosos. Bastaria divulgar o placar final dos julgamentos. "Eu acho que o cara tem que votar, e ninguém precisa saber", disse.

Se o plano de manter votos em segredo for um palpite descompromissado, o petista precisa pisar com mais cuidado na tribuna que ocupa. Se a proposta é para valer, o presidente encontrou um remédio errado e ainda ignorou os efeitos colaterais.

Lula não é o único a ver a hostilidade contra o STF como problema e nem o primeiro a identificar os efeitos negativos de um processo de hiperxeposição da corte. Num mundo ideal, o Supremo deveria exercer um papel contramajoritário e resguardar as diretrizes constitucionais sem se preocupar com a pressão das ruas e de grupos políticos. No mundo real, o próprio tribunal se entrega a circunstâncias bem diferentes.

O Supremo é um agente permanente da vida pública, e seus integrantes aceitaram fazer parte desse jogo. O desembaraço para enfrentar grandes julgamentos carrega como contrapesos a vaidade em sessões televisionadas, a valorização de ferramentas de ação individual e, em última instância, o poder de dar a palavra final nos conflitos nacionais.

Lula parte do pressuposto de que o sigilo daria ao Supremo conforto para decidir em caráter institucional, com baixa exposição das opiniões de cada integrante e menor risco de críticas. Não é coincidência que o presidente tenha lançado a ideia logo depois que Cristiano Zanin virou alvo da esquerda por votar alinhado à ala conservadora do tribunal.

O poder acumulado pelo STF deveria fazer com que a transparência fosse uma condição irrevogável de sua atuação. O segredo dos votos poderia até beneficiar alguns ministros, mas seria a pior maneira de resguardar o tribunal. Removeria a corte de uma arena em que se disputa um Fla-Flu raivoso para atirá-la na suspeição de uma sala secreta.

 

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