sábado, 2 de setembro de 2023

Eduardo Affonso - Regência Trina & Centrão

O Globo

Lula e Bolsonaro optaram pelo presidencialismo de cooptação, não de cooperação ou convencimento

Eduardo AffonsoFala-se (merecidamente) muito mal de Arthur Lira, o superpresidente da Câmara, outrora gestor do orçamento secreto — hoje, do orçamento opaco — e ainda firme como chantageador-geral da República, condicionando ao atendimento de seus interesses a votação de pautas que interessam ao país.

Fala-se (injustamente) muito mal de Alexandre de Moraes, o despachador-geral do STF. Sozinho, ele decidiu mais que os juízes em segundo e terceiro lugares no ranking — juntos.

Ambos têm muito poder e formam, com o presidente da República, o triunvirato que, na prática, governa o país — até a eleição de um chefe do Executivo que não precise entregar os dedos ao Parlamento para evitar a perda dos anéis; de congressistas que não queiram o dedo, os anéis e o braço; e até que juízes se abstenham de legislar. Enfim, até que os Poderes se harmonizem, cada um no seu quadrado.

Mas é bom que o Rei Arthur e Alexandre, o Grande, tenham tido protagonismo nos últimos anos. Sem a atuação do Congresso e do STF, o xeque Bolsonaro nos teria colocado, junto a Mali, Mianmar, Níger e Gabão, na vergonhosa lista dos países que sofreram golpe de Estado. (Lula insiste em nos incluir postumamente nesse rol, com a lorota do golpe em 2016.) Isso mostra quanto devemos a São Montesquieu, padroeiro da separação e independência dos Poderes — e quão longe estamos de alcançar essa graça.

Já imaginaram se Luiz Inácio, o Rei Sol, não tivesse esses freios e contrapesos? Carlos Lupi e Anielle Franco reforçando o salário em metalúrgica, Mercadante no BNDES, Pochmann no IBGE e Cristiano Zanin no STF seriam pinto. Possivelmente, o despedalamento de Dilma Rousseff não seria metafórico, nem estaria ela despachando em Xangai.

(Sem ter que prestar contas ao Legislativo e ao Judiciário, Lula nos alinhou a Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã — mais Rússia, China, Índia e África do Sul — no front antiocidental e antiliberal do Brics. Mais ou menos como Bolsonaro fizera, no flanco antidemocrático, estreitando laços com as mesmas Rússia e Arábia Saudita, mais Hungria e os Estados Unidos de Trump. Sob Bolsonaro, as porteiras da Amazônia foram abertas para que passasse a boiada. Com Lula, temos o ambientalismo genderfluid: ora focado na energia verde e na transição energética, ora agarrado à exploração de combustíveis fósseis. Na resistência a esses descaminhos, fraquíssimos são os poderes do povo.)

Lula e Bolsonaro optaram pelo presidencialismo de cooptação, não de cooperação ou convencimento. E fizeram escola. Os governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Romeu Zema (MG) parecem mais interessados em garantir o espólio bolsonarista que em ampliar apoios. E o PT, sem novas lideranças, quer coroar Lula IV, aos 81 anos, nas eleições de 2026. Isso significa manter a política brasileira presa ao ano da marmota de 2018 e dependente do famigerado Centrão — partidos de orientação ideológica difusa, mas fisiologicamente muitíssimo bem definidos.

Sem um centro forte — centro-direita, centro-esquerda ou centro-centro mesmo — que torne obsoleto o presidencialismo de escambo e abrace o de consenso, de convergência, o Executivo continuará dependendo da “bondade” de estranhos — juízes que legislem, parlamentares que mercadejem votos.

Pouco centro e muito Centrão os males do Brasil são.

 

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