O Globo
Lula e Bolsonaro optaram pelo
presidencialismo de cooptação, não de cooperação ou convencimento
Eduardo AffonsoFala-se (merecidamente)
muito mal de Arthur Lira,
o superpresidente da Câmara, outrora gestor do orçamento secreto — hoje, do
orçamento opaco — e ainda firme como chantageador-geral da República,
condicionando ao atendimento de seus interesses a votação de pautas que
interessam ao país.
Fala-se (injustamente) muito mal de Alexandre de Moraes, o despachador-geral do STF. Sozinho, ele decidiu mais que os juízes em segundo e terceiro lugares no ranking — juntos.
Ambos têm muito poder e formam, com o
presidente da República, o triunvirato que, na prática, governa o país — até a
eleição de um chefe do Executivo que não precise entregar os dedos ao
Parlamento para evitar a perda dos anéis; de congressistas que não queiram o
dedo, os anéis e o braço; e até que juízes se abstenham de legislar. Enfim, até
que os Poderes se harmonizem, cada um no seu quadrado.
Mas é bom que o Rei Arthur e Alexandre, o
Grande, tenham tido protagonismo nos últimos anos. Sem a atuação do Congresso e
do STF, o xeque Bolsonaro nos teria colocado, junto a Mali, Mianmar, Níger e
Gabão, na vergonhosa lista dos países que sofreram golpe de Estado. (Lula
insiste em nos incluir postumamente nesse rol, com a lorota do golpe em 2016.)
Isso mostra quanto devemos a São Montesquieu, padroeiro da separação e
independência dos Poderes — e quão longe estamos de alcançar essa graça.
Já imaginaram se Luiz Inácio, o Rei Sol,
não tivesse esses freios e contrapesos? Carlos Lupi e Anielle Franco reforçando
o salário em metalúrgica, Mercadante no BNDES, Pochmann no IBGE e Cristiano
Zanin no STF seriam pinto. Possivelmente, o despedalamento de Dilma Rousseff
não seria metafórico, nem estaria ela despachando em Xangai.
(Sem ter que prestar contas ao Legislativo
e ao Judiciário, Lula nos alinhou a Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes,
Etiópia e Irã — mais Rússia, China, Índia e África do Sul — no front
antiocidental e antiliberal do Brics. Mais ou menos como Bolsonaro fizera, no
flanco antidemocrático, estreitando laços com as mesmas Rússia e Arábia
Saudita, mais Hungria e os Estados Unidos de Trump. Sob Bolsonaro, as porteiras
da Amazônia foram abertas para que passasse a boiada. Com Lula, temos o
ambientalismo genderfluid: ora focado na energia verde e na transição energética,
ora agarrado à exploração de combustíveis fósseis. Na resistência a esses
descaminhos, fraquíssimos são os poderes do povo.)
Lula e Bolsonaro optaram pelo
presidencialismo de cooptação, não de cooperação ou convencimento. E fizeram
escola. Os governadores Tarcísio de
Freitas (SP) e Romeu Zema (MG)
parecem mais interessados em garantir o espólio bolsonarista que em ampliar
apoios. E o PT, sem novas lideranças, quer coroar Lula IV, aos 81 anos, nas
eleições de 2026. Isso significa manter a política brasileira presa ao ano da
marmota de 2018 e dependente do famigerado Centrão — partidos de orientação
ideológica difusa, mas fisiologicamente muitíssimo bem definidos.
Sem um centro forte — centro-direita,
centro-esquerda ou centro-centro mesmo — que torne obsoleto o presidencialismo
de escambo e abrace o de consenso, de convergência, o Executivo continuará
dependendo da “bondade” de estranhos — juízes que legislem, parlamentares que
mercadejem votos.
Pouco centro e muito Centrão os males do
Brasil são.
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