sábado, 2 de setembro de 2023

Pablo Ortellado - Conselho não é para aumentar salário

O Globo

Governo Lula não apenas precisa ser íntegro, mas precisa parecer íntegro

O escândalo recente causado pela indicação de dois ministros para integrar o conselho de uma empresa privada mostra a maneira politicamente descuidada como o governo Lula projeta — ou deixa de projetar — uma imagem de integridade e lisura.

Os ministros Carlos Lupi (Previdência) e Anielle Franco (Igualdade Racial) foram indicados pelo BNDESPar para o conselho da metalúrgica Tupy, do setor de autopeças. Como o banco estatal de desenvolvimento detém 28% das ações da empresa, tem o direito de indicar conselheiros. A remuneração para participar do conselho é de pelo menos R$ 36 mil por mês — valor que se soma ao salário dos ministros, de R$ 41,6 mil. Lupi e Anielle não têm qualificação para integrar o conselho administrativo de uma metalúrgica. O entendimento geral é que o objetivo é complementar o salário de ministro, considerado insuficiente.

BNDES, Tupy e o governo fizeram uma bagunça tentando justificar o injustificável. Primeiro, foi destacada a formação acadêmica de Lupi, graduado em administração — embora não tenha feito carreira como administrador, mas como dirigente partidário. Depois, a Tupy soltou uma nota enfatizando seus esforços pela inclusão, ressaltando que Anielle é uma mulher negra. Políticos alegaram que é preciso ter algum controle sobre o rumo das empresas que recebem investimento público, e isso justificaria a indicação.

Ninguém, evidentemente, comprou essas explicações fajutas. O problema não se limita a esses dois ministros. Lupi também faz parte do conselho do Sesc. Além dele, Luiz Marinho (Trabalho) e Esther Dweck (Gestão). Cinco ministros compõem o conselho da Itaipu Binacional: Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Dweck e Mauro Vieira (Relações Exteriores). É uma prática disseminada.

O uso do expediente para ampliar a remuneração de ministros não é exclusivo do governo Lula. Vários ministros de Bolsonaro também integraram conselhos com pagamentos altos em jetons que driblam o teto constitucional. O ex-ministro Paulo Guedes atacou os baixos salários dos ministros e chegou a insinuar que a baixa diferença salarial entre um alto funcionário público e um ministro de Estado era uma lógica “socialista”.

Em 2021, o governo Bolsonaro editou uma portaria que criou um outro expediente, por meio do qual o teto salarial se aplicaria a cada uma das remunerações no caso de aposentados ou militares inativos que regressassem à atividade no serviço público —o duplo teto. Com isso, na prática, a remuneração de ministros militares e aposentados dobrava.

Podemos discutir se o salário dos ministros é baixo para suas responsabilidades. Uma das alegações é que, se não for equivalente ao de um cargo de direção no mundo empresarial, não conseguiremos reter os talentos do setor privado. Mas será que há mesmo grande disparidade entre os salários de R$ 41,6 mil de um ministro e de um diretor no setor privado?

Podemos também fazer uma comparação com outros países. Em Portugal, um ministro de Estado ganha € 4,7 mil (R$ 25 mil) e na Espanha, € 6,6 mil (R$ 35 mil). No Chile, um ministro ganha 6 milhões de pesos chilenos (R$ 35 mil). Na comparação internacional, o salário ministerial brasileiro não parece ruim.

Mas, mesmo que consideremos que o salário dos ministros precise ser aumentado, o expediente de indicá-los para conselhos não parece adequado, ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida que é legal. É ruim em qualquer governo, mas especialmente inadequado num governo Lula que não apenas precisa ser íntegro, mas precisa parecer íntegro.

Lula liderou uma coalizão democrática que derrotou uma séria ameaça autoritária, politicamente alimentada pelo discurso de combate à corrupção. O presidente pode ter escapado do indiciamento jurídico nas denúncias de corrupção na Petrobras, mas não da percepção pública de que, se não esteve envolvido com a corrupção nos seus outros dois governos, pelo menos deixou acontecer.

Para Lula, reconstruir uma imagem de respeitabilidade e lisura não é apenas necessidade pessoal, mas responsabilidade com a coalizão democrática que liderou. Se existe um problema com os salários dos cargos mais altos do Executivo, ele precisa encontrar uma solução adequada, inequivocamente legal, que não pareça malandragem.

 

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