Valor Econômico
O que preocupa os correligionários de
Bolsonaro é a apuração sobre a tentativa de violação do Estado Democrático de
Direito
Conhecido pela discrição e capacidade de
articulação, Marco Maciel tem sido lembrado em Brasília por aqueles que
trabalham para dissipar a falta de confiança de integrantes do governo Lula em
relação aos militares. Para essas fontes, suas palavras ganharam mais
importância desde que surgiram as notícias de que o tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), fechou um acordo de
delação premiada.
Ironias da política. Marco Maciel foi eleito pela primeira vez deputado estadual em Pernambuco pela Arena, partido de sustentação ao regime militar. Foi depois eleito diversas vezes deputado federal e comandou a Câmara dos Deputados.
Governou seu Estado natal e chegou ao
Senado na década de 1980. Mas o ápice da sua carreira política teve início
quando foi indicado pelo seu partido, o finado PFL, para substituir o senador
alagoano Guilherme Palmeira como vice-presidente na chapa encabeçada por
Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Vivia-se o longínquo ano de 1994. Porém,
alguns problemas de transparência na gestão dos recursos públicos enfrentados
naquela época permanecem até hoje: a pré-candidatura de Guilherme Palmeira
havia sido inviabilizada em razão de denúncias de favorecimento de uma
construtora por meio de emendas parlamentares ao Orçamento da União.
Feita a troca, durante a campanha
presidencial a chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou explorar seu
apoio à ditadura e vínculos históricos com a caserna. Justo ele que agora,
décadas depois, é evocado por quem acompanha de perto as tensas relações entre
o governo Lula e os militares.
Conta-se que o ex-presidente da República
poderia ter duas abordagens ao se deparar com determinadas situações na
política ou em entrevistas.
Quando queria que o interlocutor se
afastasse dos fatos para julgá-los sem contaminar-se pelos personagens
envolvidos, argumentava: “Não vamos fulanizar a questão”. E complementava o
raciocínio, pedindo que se retirasse o nome específico do problema para que se
pudesse concluir, então, se a solução defendida se aplicaria a todos os casos
em geral, salvo aquela exceção.
A segunda abordagem, lembra-se na capital
federal, era adotada quando algum fato político precisava ser encarnado por
alguém para que se pudesse vislumbrar um desfecho. “Em política, como diz o
Marco Maciel, tem momento que tem que fulanizar, [tem que dizer] quem é a pessoa
que representa”, comentou em 2013 o próprio FHC, durante o lançamento de um
livro de memórias no Rio de Janeiro, ao falar sobre os desafios do PSDB nas
eleições do ano seguinte.
Desta última forma foi recebida, no
governo, a notícia da delação de Mauro Cid. Para interlocutores do presidente
Lula, ela pode apontar os nomes e sobrenomes de quem eventualmente se envolveu
dentro das Forças Armadas nos atos golpistas gestados ao longo de 2022 e que
culminaram na invasão das sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro.
E isso pode ser bom, também, para os
próprios militares. O argumento dessas fontes é que o tenente-coronel Mauro Cid
pode delimitar o problema e afastar as suspeitas que pairam sobre o Exército
como instituição. Aí caberia à Força punir os culpados, para que se possa virar
a página de vez.
Hoje, contudo, ainda há muitas incertezas
sobre o conteúdo da delação.
No PL, a expectativa é que ela contenha
detalhes sobre a venda no exterior de presentes dados ao Estado brasileiro. Um
material capaz de ofuscar o brilho do capital político acumulado pelo
ex-mandatário nos últimos anos.
Existe ainda o receio de que dados sobre
pagamentos particulares feitos por Mauro Cid e sua equipe da ajudância de
ordens da Presidência atinjam a imagem da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Ela é a aposta do partido para as próximas eleições, depois que Bolsonaro
tornou-se inelegível.
No entanto, o que preocupa mesmo os
correligionários do ex-presidente é a apuração sobre a tentativa de violação do
Estado Democrático de Direito. Hoje, fala-se mais abertamente o que se passou
nos bastidores da campanha bolsonarista à reeleição após a derrota de outubro.
Integrantes da ala política do governo
anterior e dirigentes do PL não descartavam a possibilidade de Bolsonaro levar
adiante a tentativa de um golpe. Eles alegam que não sabiam o que era
articulado dentro do Palácio da Alvorada durante o período em que Bolsonaro
permaneceu recluso. Além disso, dizem que tentaram convencê-lo a reconhecer
explicitamente a derrota logo depois do pleito, mas não foram atendidos.
Esse capítulo da história ainda pode ser
contado em detalhes. Um ajudante de ordens sabe de quase tudo o que acontece na
vida de um presidente da República, seu entorno e grupo de aliados. Certamente
tem muito material a apresentar à polícia, caso corresse o risco de ser
condenado, por exemplo, a uma pena de 20 anos de prisão. Autoridades do governo
esperam que sua delação “fulanize”.
Em relação ao seu próprio futuro, até mesmo
entre seus colegas de farda não há mais dúvidas de que Mauro Cid extrapolou
suas funções. Eles também querem entender os reais motivos que o levaram a
fazê-lo, mas, por outro lado, ponderam que sua história não deveria macular
para sempre uma função considerada tão nobre dentro das Forças Armadas. Lula, por
exemplo, decidiu não ter um ajudante de ordens militar neste mandato. Fica a
dúvida de como Marco Maciel “fulanizaria” essa questão.
Pois é.
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