quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Lu Aiko Otta - Armistício fiscal e o novo modelo de desenvolvimento

Valor Econômico

Guerra fiscal é um modelo que já dá mostras de esgotamento há pelo menos 30 anos

Não será fácil acabar com a guerra fiscal. No Senado, onde é apreciada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, da reforma tributária, alguns Estados defendem sua continuidade. Outros até se conformam com seu fim, mas pedem um pouco mais de tempo para fechar uns últimos contratos com empresas antes que a porta se feche.

Chama-se de guerra fiscal a prática de reduzir impostos para atrair empresas. É algo que se praticou no Brasil nas últimas cinco décadas, particularmente em relação ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, que a PEC 45 pretende modificar totalmente.

É um debate difícil. No fim das contas, está sobre a mesa a mudança do modelo de desenvolvimento econômico do Brasil, segundo resumiu o relator da proposta, senador Eduardo Braga (MDB-AM). A ideia é que, após a reforma, o atrativo para empresas passe a ser um conjunto de incentivos orçamentários e financeiros (governo colocando recursos para estimular empresas ou setores), em vez dos atuais descontos nos impostos.

É disso que fala a PEC 45 quando estabelece que a arrecadação dos tributos sobre o consumo será feita no Estado de destino (onde o produto ou serviço é consumido), e não na origem (onde é fabricado). Assim, a lógica de dar descontos para atrair empresas será menos vantajosa para os Estados, pois a arrecadação não ficará lá. É uma mudança profunda, como atravessar um portal para outro mundo.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é o mais vocal na reação contra essa mudança. Seu Estado ganhou montadoras e um polo de indústria farmacêutica com base em incentivos tributários. Outras unidades da Federação atraíram empresas da mesma forma.

É um mecanismo que fará falta, admitiu o diretor institucional do Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), André Horta. Há receio que, sem essa forma de estímulo, as empresas passem a escolher locais onde há mais mercado consumidor. Ou seja, pode ocorrer concentração de investimentos.

Os incentivos tributários da guerra fiscal sempre tiveram sua constitucionalidade questionada. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, de fato, contrariavam a Carta. Para não provocar uma hecatombe nas empresas que tomaram decisões de investimento com base na guerra fiscal, foi aprovada em 2017 uma lei complementar, a 160, que convalida esses benefícios até 2032.

A PEC 45 prevê a criação de um fundo de convalidação de R$ 160 bilhões para bancar os incentivos tributários estaduais para indústrias já instaladas, até que eles se encerrem.

Também por causa do fim da guerra fiscal, haverá um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), de R$ 40 bilhões por ano, que pode financiar a transição econômica dos Estados. Por exemplo, permitir investimentos em infraestrutura que melhorem sua logística.

E, novidade: os recursos do FDR poderão estimular empresas de serviços, informou o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, na sessão temática do Senado que recebeu 19 governadores e vice-governadores no último dia 29.

Um pedido ouvido com frequência nas mais de cinco horas daquela reunião foi a elevação do valor do FDR para R$ 75 bilhões. Um tema “relevante”, segundo o relator Eduardo Braga. Aparentemente, acrescentou, “o cobertor está curto”.

Para além dos recursos, existe uma discussão sobre qual desenvolvimento regional buscar. Num momento em que a agenda de sustentabilidade se coloca com força para o Brasil e aponta para novas oportunidades para o Norte das florestas e o Nordeste das energias renováveis, esse é um debate necessário.

O Comsefaz está incumbido de lançar luzes sobre esse tema, informou Horta. É um trabalho em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Regional.

Fora dos debates na reforma tributária, outra demonstração de vigor na guerra fiscal poderá ser vista nos próximos dias, na apreciação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória (MP) 1.185/2023. Ela regulamenta uma questão já decidida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): a retirada do impacto de incentivos fiscais estaduais na base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL).

É uma discussão que enfrentará dificuldades no Congresso Nacional, avaliou o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Marcus Pestana, que foi deputado federal pelo PSDB mineiro por dois mandatos. O governo conta com essa MP para obter receitas de R$ 35,3 bilhões no ano que vem.

Bem ou mal, a guerra fiscal serviu para desconcentrar a indústria nas últimas décadas. No entanto, é um modelo que já dá mostras de esgotamento há pelo menos 30 anos. Como apontou Appy na reunião com governadores, os Estados ricos também passaram a conceder incentivos tributários. Assim, as unidades menos desenvolvidas da Federação perderam seu atrativo. Restou uma disputa fratricida.

Parece claro que não é possível seguir com o atual modelo. No entanto, não é visível o que o substituirá. Esse é um ponto que merece mais atenção.

 

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