Folha de S. Paulo
É de se supor que a democrática representação
social de um ministério deva equivaler a um certo grau de respeito político
O imperador romano Septímio Severo (193-211
d.C) mantinha o trono num salão cujas paredes reproduziam o seu horóscopo,
traçado por ministros-videntes. Ali estariam os fatos marcantes de sua vida, do
nascimento à data da morte, encoberta a olhares alheios. Mais importantes do
que outros, esses conselheiros orientavam guerras de conquista, vitoriosas com
Severo. Ministério valioso era recurso mágico do imperador.
Nas democracias, ministério guarda uma margem de representatividade social. Vale, assim, evocar Severo neste momento de incerteza pública quanto ao peso real ou apenas simbólico de ministérios. A própria clareza dos fatos leva à perplexidade: Lula entregou pastas à boca pantagruélica do centrão, mas ela continua aberta e votando a bel-prazer.
Isso não ocorreria com ministérios de peso
real, de grande significado econômico e político, assim como Severo não abriria
mão de seus magos. Mas entre nós, são descartáveis os ministros de nome
altissonante, embora com quase nada mais apenso ao título. Um deles chegou a
esquecer, na posse recente, o nome da pasta. A elegância da intenção traduzida
em pompa e circunstância mal disfarça bananeiras destinadas a não dar cacho.
Assim é que, com titular respeitada na área,
o Ministério dos Esportes prenunciava políticas transformadoras. Descambou
rapidamente para um campo onde se confunde jogo com jogatina. Ministros de
setores inovadores fortalecem-se não por projetos, mas por penduricalhos em
conselhos magnânimos. Enquanto o centrão não os absorver de porteira fechada,
ficarão em órbita de si mesmos, como signos num mapa astral.
Com a memória acesa dos cinquenta anos da
ditadura chilena, não cabe ferretear governo que poupou o país de uma
monstruosidade histórica. Bem o sabem os sãos de espírito, bem o reconhece a
Assembleia Geral da ONU. Longe de qualquer santificação política, o fato é que
Lula e a coalizão democrática permitiram à nação voltar a se olhar no espelho,
a dar sentido à "Constituição" de Capistrano de Abreu: "Artigo
1º: Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Parágrafo único:
Revogam-se as disposições em contrário".
É possível, sabe-se lá, que alguns dos
ministérios sejam peças de um jogo hábil: entregam-se anéis, ficam dedos
como Haddad e Marina.
Fica também a avaliação consolatória do descomunal risco-Brasil na sucessão do
ex-mandatário. Mais uma razão para evocar e comparar com Septímio Severo, agora
em suas últimas palavras aos filhos: "Sejam bons um com o outro,
enriqueçam os soldados, e dane-se o resto". É o que os americanos chamam
de "slam dunk": escapamos por um triz. Ainda assim, é de se supor que
a democrática representação social de um ministério deva equivaler a um certo
grau de respeito político, a agradecimento público.
Sei.
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