domingo, 24 de setembro de 2023

Muniz Sodré - Ministros em órbita do jogo de poder

Folha de S. Paulo

É de se supor que a democrática representação social de um ministério deva equivaler a um certo grau de respeito político

O imperador romano Septímio Severo (193-211 d.C) mantinha o trono num salão cujas paredes reproduziam o seu horóscopo, traçado por ministros-videntes. Ali estariam os fatos marcantes de sua vida, do nascimento à data da morte, encoberta a olhares alheios. Mais importantes do que outros, esses conselheiros orientavam guerras de conquista, vitoriosas com Severo. Ministério valioso era recurso mágico do imperador.

Nas democracias, ministério guarda uma margem de representatividade social. Vale, assim, evocar Severo neste momento de incerteza pública quanto ao peso real ou apenas simbólico de ministérios. A própria clareza dos fatos leva à perplexidade: Lula entregou pastas à boca pantagruélica do centrão, mas ela continua aberta e votando a bel-prazer.

Isso não ocorreria com ministérios de peso real, de grande significado econômico e político, assim como Severo não abriria mão de seus magos. Mas entre nós, são descartáveis os ministros de nome altissonante, embora com quase nada mais apenso ao título. Um deles chegou a esquecer, na posse recente, o nome da pasta. A elegância da intenção traduzida em pompa e circunstância mal disfarça bananeiras destinadas a não dar cacho.

Assim é que, com titular respeitada na área, o Ministério dos Esportes prenunciava políticas transformadoras. Descambou rapidamente para um campo onde se confunde jogo com jogatina. Ministros de setores inovadores fortalecem-se não por projetos, mas por penduricalhos em conselhos magnânimos. Enquanto o centrão não os absorver de porteira fechada, ficarão em órbita de si mesmos, como signos num mapa astral.

Com a memória acesa dos cinquenta anos da ditadura chilena, não cabe ferretear governo que poupou o país de uma monstruosidade histórica. Bem o sabem os sãos de espírito, bem o reconhece a Assembleia Geral da ONU. Longe de qualquer santificação política, o fato é que Lula e a coalizão democrática permitiram à nação voltar a se olhar no espelho, a dar sentido à "Constituição" de Capistrano de Abreu: "Artigo 1º: Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Parágrafo único: Revogam-se as disposições em contrário".

É possível, sabe-se lá, que alguns dos ministérios sejam peças de um jogo hábil: entregam-se anéis, ficam dedos como Haddad e Marina. Fica também a avaliação consolatória do descomunal risco-Brasil na sucessão do ex-mandatário. Mais uma razão para evocar e comparar com Septímio Severo, agora em suas últimas palavras aos filhos: "Sejam bons um com o outro, enriqueçam os soldados, e dane-se o resto". É o que os americanos chamam de "slam dunk": escapamos por um triz. Ainda assim, é de se supor que a democrática representação social de um ministério deva equivaler a um certo grau de respeito político, a agradecimento público.

 

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