O Globo
Governo Lula não apenas precisa ser
íntegro, mas precisa parecer íntegro
O escândalo recente causado pela indicação
de dois ministros para integrar o conselho de uma empresa privada mostra a
maneira politicamente descuidada como o governo Lula projeta — ou deixa de
projetar — uma imagem de integridade e lisura.
Os ministros Carlos Lupi (Previdência) e Anielle Franco (Igualdade Racial) foram indicados pelo BNDESPar para o conselho da metalúrgica Tupy, do setor de autopeças. Como o banco estatal de desenvolvimento detém 28% das ações da empresa, tem o direito de indicar conselheiros. A remuneração para participar do conselho é de pelo menos R$ 36 mil por mês — valor que se soma ao salário dos ministros, de R$ 41,6 mil. Lupi e Anielle não têm qualificação para integrar o conselho administrativo de uma metalúrgica. O entendimento geral é que o objetivo é complementar o salário de ministro, considerado insuficiente.
BNDES, Tupy e o governo fizeram uma bagunça
tentando justificar o injustificável. Primeiro, foi destacada a formação
acadêmica de Lupi, graduado em administração — embora não tenha feito carreira
como administrador, mas como dirigente partidário. Depois, a Tupy soltou uma
nota enfatizando seus esforços pela inclusão, ressaltando que Anielle é uma
mulher negra. Políticos alegaram que é preciso ter algum controle sobre o rumo
das empresas que recebem investimento público, e isso justificaria a indicação.
Ninguém, evidentemente, comprou essas
explicações fajutas. O problema não se limita a esses dois ministros. Lupi
também faz parte do conselho do Sesc. Além dele, Luiz Marinho (Trabalho)
e Esther Dweck (Gestão).
Cinco ministros compõem o conselho da Itaipu Binacional: Fernando
Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa
Civil), Alexandre
Silveira (Minas e Energia), Dweck e Mauro Vieira (Relações
Exteriores). É uma prática disseminada.
O uso do expediente para ampliar a
remuneração de ministros não é exclusivo do governo Lula. Vários ministros de
Bolsonaro também integraram conselhos com pagamentos altos em jetons que
driblam o teto constitucional. O ex-ministro Paulo Guedes atacou os baixos
salários dos ministros e chegou a insinuar que a baixa diferença salarial entre
um alto funcionário público e um ministro de Estado era uma lógica
“socialista”.
Em 2021, o governo Bolsonaro editou uma
portaria que criou um outro expediente, por meio do qual o teto salarial se
aplicaria a cada uma das remunerações no caso de aposentados ou militares
inativos que regressassem à atividade no serviço público —o duplo teto. Com
isso, na prática, a remuneração de ministros militares e aposentados dobrava.
Podemos discutir se o salário dos ministros
é baixo para suas responsabilidades. Uma das alegações é que, se não for
equivalente ao de um cargo de direção no mundo empresarial, não conseguiremos
reter os talentos do setor privado. Mas será que há mesmo grande disparidade
entre os salários de R$ 41,6 mil de um ministro e de um diretor no setor
privado?
Podemos também fazer uma comparação com
outros países. Em Portugal, um ministro de Estado ganha € 4,7 mil (R$ 25 mil) e
na Espanha, € 6,6 mil (R$ 35 mil). No Chile, um ministro ganha 6 milhões de
pesos chilenos (R$ 35 mil). Na comparação internacional, o salário ministerial
brasileiro não parece ruim.
Mas, mesmo que consideremos que o salário
dos ministros precise ser aumentado, o expediente de indicá-los para conselhos
não parece adequado, ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida que é
legal. É ruim em qualquer governo, mas especialmente inadequado num governo
Lula que não apenas precisa ser íntegro, mas precisa parecer íntegro.
Lula liderou uma coalizão democrática que
derrotou uma séria ameaça autoritária, politicamente alimentada pelo discurso
de combate à corrupção. O presidente pode ter escapado do indiciamento jurídico
nas denúncias de corrupção na Petrobras, mas não da percepção pública de que,
se não esteve envolvido com a corrupção nos seus outros dois governos, pelo
menos deixou acontecer.
Para Lula, reconstruir uma imagem de
respeitabilidade e lisura não é apenas necessidade pessoal, mas
responsabilidade com a coalizão democrática que liderou. Se existe um problema
com os salários dos cargos mais altos do Executivo, ele precisa encontrar uma
solução adequada, inequivocamente legal, que não pareça malandragem.
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