quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Vinicius Torres Freire - Bobagem na reforma administrativa

Folha de S. Paulo

Trabalho e carreira de servidores precisam de revisão, mas plano de Lira é conversa mole

O comando da Câmara dos Deputados inventou a conversa de que se deve aprovar uma reforma administrativa a fim de diminuir a despesa ou o déficit do governo federal. A necessidade seria ainda mais urgente porque Lula 3 quer um grande aumento de impostos, bastante para equilibrar as contas em 2024 (receita igual a despesas, afora gasto com juros).

Nesses termos, se trata de conversa mole. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e sultão do semipresidencialismo de avacalhação, quer dar um calor no governo, fazer média com "liberais" e planeja alguma barganha política, ainda não muito clara.

Mesmo que se faça alguma mudança séria e extensa no serviço público, não é certo que daí venha ou deva vir redução significativa de despesa, embora possa haver ganhos de eficiência e da qualidade do trabalho.

Mesmo que houvesse perspectiva de redução de gastos, o ganho no Orçamento levaria tempo para aparecer. Há direitos adquiridos, diz a Justiça. O próprio Lira diz que eventuais mudanças afetariam apenas quem entrasse no serviço público depois da reforma.

Sob Lula 2, o gasto federal com servidores (ativos, inativos, pensionistas; civis e militares) foi o equivalente a 4,4% do PIB, em média. Sob Dilma 1, 3,98%. No final do governo das trevas, em 2022, de 3,39%. Nos 12 meses somados até julho deste 2023, de 3,36% do PIB.

Isto é, de Lula 1 até agora, a despesa com servidores federais baixou quase um quarto (isso em termos relativos, em relação ao tamanho da economia, do PIB).

A depender do gosto do freguês, "reforma administrativa" é o nome que se dá a mudanças na organização das carreiras, no sistema de contratação, avaliação, promoção e demissão, na revisão de métodos de trabalho, nos salários, na automatização do serviço, na reorganização de prioridades etc.

Nas últimas décadas (pelo menos 30 anos), não houve revisão metódica e ampla do serviço público federal. A reforma parece razoável, pois. Mas na discussão do assunto há, ao mesmo tempo, demagogia, conversas liberaloides, execração do funcionalismo e corporativismo. A mudança, porém, é tecnicamente difícil de fazer, não apenas por causa das dificuldades jurídicas que causam tanta inércia.

Emendas constitucionais e projetos de lei que tratam do tema são incongruentes, ideologicamente enviesados além da conta e, no conjunto, não parecem desenhar um programa com sentido, bem pensado, de revisão da ideia e objetivo do serviço público.

No mais, nossos problemas fiscais (receita e gasto do governo) continuam na mesma, no grosso. A revisão de programas, isenções de impostos e outros subsídios, quando ocorre, não tem efeito prático.

O teto móvel de gastos de Lula 3, o "arcabouço fiscal" não vai dar conta de conter o aumento da dívida, mesmo que dê certo. Não vai demorar muito (2027?), vai ter o destino do teto de Michel Temer, afora um grande milagre de crescimento econômico.

A despesa com Previdência voltará a aumentar (como proporção do PIB). O gasto com saúde e educação é vinculado ao aumento da receita: crescerá mais que o total da despesa federal. As demais despesas serão, pois, amassadas.

O "ajuste" teria de vir na contenção do que resta de investimento federal em "obras" e equipamentos, de resto picotado de modo ineficiente por emendas parlamentares.

O ajuste poderia vir também no arrocho do Bolsa Família (que já não terá reajuste em 2024) e também na massa de salários dos servidores (também sem previsão de reajuste no ano que vem). Para não falar de outras mágicas e milagres que tornam a máquina e o gasto públicos cada vez menos administráveis.

Talvez a gente nunca se dê conta do problema. Até que a coisa estoure de novo. Ou venha milagre.

 

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