Folha de S. Paulo
Trabalho e carreira de servidores precisam
de revisão, mas plano de Lira é conversa mole
O comando da Câmara
dos Deputados inventou a conversa de que se deve aprovar uma reforma
administrativa a fim de diminuir a despesa ou o déficit do governo federal. A
necessidade seria ainda mais urgente porque Lula 3 quer
um grande aumento de impostos, bastante para equilibrar as contas em 2024
(receita igual a despesas, afora gasto com juros).
Nesses termos, se trata de conversa
mole. Arthur
Lira (PP-AL),
presidente da Câmara e sultão do semipresidencialismo de avacalhação, quer dar
um calor no governo, fazer média com "liberais" e planeja alguma
barganha política, ainda não muito clara.
Mesmo que se faça alguma mudança séria e extensa no serviço público, não é certo que daí venha ou deva vir redução significativa de despesa, embora possa haver ganhos de eficiência e da qualidade do trabalho.
Mesmo que houvesse perspectiva de redução
de gastos, o ganho no Orçamento levaria
tempo para aparecer. Há direitos adquiridos, diz a Justiça. O próprio Lira diz
que eventuais mudanças afetariam apenas quem entrasse no serviço público depois
da reforma.
Sob Lula 2, o gasto federal com servidores
(ativos, inativos, pensionistas; civis e militares) foi o equivalente a 4,4% do
PIB, em média. Sob Dilma 1, 3,98%. No final do governo das trevas, em 2022, de
3,39%. Nos 12 meses somados até julho deste 2023, de 3,36% do PIB.
Isto é, de Lula 1 até agora, a despesa com
servidores federais baixou quase um quarto (isso em termos relativos, em
relação ao tamanho da economia, do PIB).
A depender do gosto do freguês,
"reforma administrativa" é o nome que se dá a mudanças na organização
das carreiras, no sistema de contratação, avaliação, promoção e demissão, na
revisão de métodos de trabalho, nos salários, na automatização do serviço, na
reorganização de prioridades etc.
Nas últimas décadas (pelo menos 30 anos),
não houve revisão metódica e ampla do serviço público federal.
A reforma parece razoável, pois. Mas na discussão do assunto há, ao mesmo
tempo, demagogia, conversas liberaloides, execração do funcionalismo e
corporativismo. A mudança, porém, é tecnicamente difícil de fazer, não apenas
por causa das dificuldades jurídicas que causam tanta inércia.
Emendas constitucionais e projetos de lei
que tratam do tema são incongruentes, ideologicamente enviesados além da conta
e, no conjunto, não parecem desenhar um programa com sentido, bem pensado, de
revisão da ideia e objetivo do serviço público.
No mais, nossos problemas fiscais (receita
e gasto do governo) continuam na mesma, no grosso. A revisão de programas,
isenções de impostos e outros subsídios, quando ocorre, não tem efeito prático.
O teto móvel de gastos de Lula 3, o
"arcabouço fiscal" não vai dar conta de conter o aumento da dívida,
mesmo que dê certo. Não vai demorar muito (2027?), vai ter o destino do teto de
Michel Temer, afora um grande milagre de crescimento econômico.
A despesa com Previdência voltará
a aumentar (como proporção do PIB). O gasto com saúde e educação é vinculado ao
aumento da receita: crescerá mais que o total da despesa federal. As demais
despesas serão, pois, amassadas.
O "ajuste" teria de vir na
contenção do que resta de investimento federal em "obras" e
equipamentos, de resto picotado de modo ineficiente por emendas parlamentares.
O ajuste poderia vir também no arrocho do
Bolsa Família (que já não terá reajuste em 2024) e também na massa de salários
dos servidores (também sem previsão de reajuste no ano que vem). Para não falar
de outras mágicas e milagres que tornam a máquina e o gasto públicos cada vez
menos administráveis.
Talvez a gente nunca se dê conta do
problema. Até que a coisa estoure de novo. Ou venha milagre.
Um comentário:
Sei.
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