Valor Econômico
Reunião entre Lula e Campos Neto, na
quinta-feira foi um acontecimento emblemático
A reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, na
quinta-feira - mediada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad - foi um
acontecimento, no mínimo, emblemático. Certamente, inédito.
Desde a sanção da lei que estabeleceu a autonomia do órgão responsável pelo controle da inflação, em fevereiro de 2021, Campos Neto emergiu como o primeiro presidente do BC que não foi nomeado pelo presidente da República no exercício do mandato. Em outras palavras, foi o primeiro encontro entre a autoridade monetária com autonomia plena, não escolhida pelo chefe do Executivo.
O ineditismo, por si, justificaria o clima de
apreensão que antecedeu a agenda, mas que se dissipou na sequência, após uma
hora e meia de conversa. A tensão era maior devido ao passado recente de
ataques desferidos por Lula contra Campos Neto pela política de juros altos, e
de sua posição contrária à autonomia do BC.
Mesmo assim, a despeito da conjuntura
adversa, Haddad relatou a interlocutores que ao fim do encontro, no elevador
das autoridades, ouviu de Campos Neto que a reunião com Lula tinha sido
“excelente”.
Embora contrário à autonomia do BC, em
alinhamento com o PT, Lula sempre respeitou o papel do órgão nos dois primeiros
mandatos ao nomear Henrique Meirelles, um político da oposição, para o cargo de
presidente da instituição.
Uma fonte que acompanhou de perto, por muitos
anos, a engrenagem do BC classificou a reunião de Lula com Campos Neto como um
símbolo da maturidade política do país, após o reconhecimento em lei de que a
instituição tem natureza de órgão de Estado, e não de governo. Pela norma, o
presidente do BC terá mandato não coincidente com o do presidente da República
para não ficar atrelado à atuação política do atual mandatário.
A reunião entre Lula e Campos Neto,
aproximadamente nove meses após a posse do petista, só se viabilizou em
decorrência de uma conjuntura específica, de queda sucessiva da taxa Selic, e
da sinalização na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de que essa
trajetória descendente é a tendência das próximas reuniões. A declaração de
Campos Neto no Congresso, a favor das propostas de taxação dos fundos de alta
renda, do pacote econômico de Haddad, também ajudou.
A mediação do encontro de Lula e Campos Neto
por Haddad também evidenciou a sintonia fina entre o titular da política fiscal
e a autoridade monetária - a contragosto de alas do PT. Quando Lula e vários
ministros revezaram-se nos ataques ao presidente do BC por causa dos juros
elevados, Haddad entrava em campo no papel de conciliador.
Nesse sentido, não foi aleatória a declaração
de Campos Neto, durante uma entrevista, de endosso à controversa política
fiscal de Haddad. Ele disse reconhecer a dificuldade do governo de atingir a
meta de déficit zero para o ano que vem, mas observou que, mesmo assim, deve
haver empenho para alcançá-la: “É muito importante perseguir a meta, atingir a
meta”, recomendou.
Na história recente, em geral, os presidentes
do BC entenderam-se com os ministros da Fazenda. Lula viu Henrique Meirelles e
Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, tocarem de ouvido no primeiro
mandato, quando ajustaram que a política econômica seria de juros altos e meta
elevada de superávit para controlar a inflação. Cabia a Lula controlar a ira do
PT.
Em seu livro de memórias, o ex-ministro da
Casa Civil José Dirceu - ainda hoje, um quadro ouvido pelo PT - relatou que se
Lula vetasse a política de juros e superávit altos, Meirelles e Palocci
deflagrariam uma articulação no Congresso para aprovar a autonomia do BC.
Segundo Dirceu, Lula convocou uma reunião no Palácio da Alvorada e “o pau
comeu”; Lula estava no limite e não queria mais disputa em sua equipe em torno
da politica econômica.
Atualmente, Lula desempenha o papel que coube
ao vice-presidente José Alencar, morto em 2011, de voz tonitruante contra os
juros altos. No começo do primeiro mandato, em 2003, a Selic estava em 25,5%, e
caiu para 16,5% no fim daquele ano.
Repetindo o passado, a ala desenvolvimentista
do governo cobra de Haddad mais recursos para o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), a fim de garantir crescimento econômico com geração de
empregos, distribuição de renda, e consumo.
Os embates em torno da política econômica
também marcaram o mandato de Dilma Rousseff. Em 2016, quando veio a público que
Lula seria nomeado ministro-chefe da Casa Civil, e nessa condição, se
movimentaria para que o governo recorresse às reservas internacionais, o então
presidente do BC, Alexandre Tombini, ameaçou pedir demissão se essa intenção se
materializasse.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
também sofreu com os embates internos da equipe econômica. Na metade do
primeiro ano do primeiro mandato, o então presidente do BC, Persio Arida, pediu
demissão, após se desentender com um dos diretores da instituição, Gustavo
Franco - que seria presidente dois anos depois. “Sempre que tudo está nos eixos
na economia, a equipe econômica arma uma”, desabafou FHC, nos “Diários da
Presidência”, sobre a atormentada relação com a economia.
Muito bom!
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