terça-feira, 3 de outubro de 2023

Andrea Jubé - Histórias da difícil relação entre governo e BC

Valor Econômico

Reunião entre Lula e Campos Neto, na quinta-feira foi um acontecimento emblemático

A reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, na quinta-feira - mediada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad - foi um acontecimento, no mínimo, emblemático. Certamente, inédito.

Desde a sanção da lei que estabeleceu a autonomia do órgão responsável pelo controle da inflação, em fevereiro de 2021, Campos Neto emergiu como o primeiro presidente do BC que não foi nomeado pelo presidente da República no exercício do mandato. Em outras palavras, foi o primeiro encontro entre a autoridade monetária com autonomia plena, não escolhida pelo chefe do Executivo.

O ineditismo, por si, justificaria o clima de apreensão que antecedeu a agenda, mas que se dissipou na sequência, após uma hora e meia de conversa. A tensão era maior devido ao passado recente de ataques desferidos por Lula contra Campos Neto pela política de juros altos, e de sua posição contrária à autonomia do BC.

Mesmo assim, a despeito da conjuntura adversa, Haddad relatou a interlocutores que ao fim do encontro, no elevador das autoridades, ouviu de Campos Neto que a reunião com Lula tinha sido “excelente”.

Embora contrário à autonomia do BC, em alinhamento com o PT, Lula sempre respeitou o papel do órgão nos dois primeiros mandatos ao nomear Henrique Meirelles, um político da oposição, para o cargo de presidente da instituição.

Uma fonte que acompanhou de perto, por muitos anos, a engrenagem do BC classificou a reunião de Lula com Campos Neto como um símbolo da maturidade política do país, após o reconhecimento em lei de que a instituição tem natureza de órgão de Estado, e não de governo. Pela norma, o presidente do BC terá mandato não coincidente com o do presidente da República para não ficar atrelado à atuação política do atual mandatário.

A reunião entre Lula e Campos Neto, aproximadamente nove meses após a posse do petista, só se viabilizou em decorrência de uma conjuntura específica, de queda sucessiva da taxa Selic, e da sinalização na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de que essa trajetória descendente é a tendência das próximas reuniões. A declaração de Campos Neto no Congresso, a favor das propostas de taxação dos fundos de alta renda, do pacote econômico de Haddad, também ajudou.

A mediação do encontro de Lula e Campos Neto por Haddad também evidenciou a sintonia fina entre o titular da política fiscal e a autoridade monetária - a contragosto de alas do PT. Quando Lula e vários ministros revezaram-se nos ataques ao presidente do BC por causa dos juros elevados, Haddad entrava em campo no papel de conciliador.

Nesse sentido, não foi aleatória a declaração de Campos Neto, durante uma entrevista, de endosso à controversa política fiscal de Haddad. Ele disse reconhecer a dificuldade do governo de atingir a meta de déficit zero para o ano que vem, mas observou que, mesmo assim, deve haver empenho para alcançá-la: “É muito importante perseguir a meta, atingir a meta”, recomendou.

Na história recente, em geral, os presidentes do BC entenderam-se com os ministros da Fazenda. Lula viu Henrique Meirelles e Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, tocarem de ouvido no primeiro mandato, quando ajustaram que a política econômica seria de juros altos e meta elevada de superávit para controlar a inflação. Cabia a Lula controlar a ira do PT.

Em seu livro de memórias, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu - ainda hoje, um quadro ouvido pelo PT - relatou que se Lula vetasse a política de juros e superávit altos, Meirelles e Palocci deflagrariam uma articulação no Congresso para aprovar a autonomia do BC. Segundo Dirceu, Lula convocou uma reunião no Palácio da Alvorada e “o pau comeu”; Lula estava no limite e não queria mais disputa em sua equipe em torno da politica econômica.

Atualmente, Lula desempenha o papel que coube ao vice-presidente José Alencar, morto em 2011, de voz tonitruante contra os juros altos. No começo do primeiro mandato, em 2003, a Selic estava em 25,5%, e caiu para 16,5% no fim daquele ano.

Repetindo o passado, a ala desenvolvimentista do governo cobra de Haddad mais recursos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a fim de garantir crescimento econômico com geração de empregos, distribuição de renda, e consumo.

Os embates em torno da política econômica também marcaram o mandato de Dilma Rousseff. Em 2016, quando veio a público que Lula seria nomeado ministro-chefe da Casa Civil, e nessa condição, se movimentaria para que o governo recorresse às reservas internacionais, o então presidente do BC, Alexandre Tombini, ameaçou pedir demissão se essa intenção se materializasse.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também sofreu com os embates internos da equipe econômica. Na metade do primeiro ano do primeiro mandato, o então presidente do BC, Persio Arida, pediu demissão, após se desentender com um dos diretores da instituição, Gustavo Franco - que seria presidente dois anos depois. “Sempre que tudo está nos eixos na economia, a equipe econômica arma uma”, desabafou FHC, nos “Diários da Presidência”, sobre a atormentada relação com a economia.

 

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