O Globo
Os culpados são essa gente malvada que
prefere dividir mal a abundância a ratear salomonicamente a miséria
A riqueza global voltou a crescer, depois da
queda registrada em 2022. Estima-se que aumente 38% até 2027 — e que esse
aumento, nos países emergentes, contribua para a redução da desigualdade.
Os culpados são os capitalistas, essa gente
malvada que prefere dividir mal a abundância a ratear salomonicamente a
miséria. Felizmente, há pessoas boas e sensíveis, que ficam chocadas com o
aumento no número de milionários — e, no bom combate aos muito ricos, acabam
nem percebendo que os pobres têm ficado menos pobres.
Uma dessas almas nobres é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. O ex-sindicalista está incomodado com o liberalismo das relações entre a Uber e os motoristas que, voluntariamente, usam a plataforma para garantir o próprio sustento e o de suas famílias. O ministro quer melhorar a vida de mais de 1 milhão desses trabalhadores — que hoje escolhem o dia e o horário em que desejam trabalhar, que clientes aceitam, para onde topam fazer a corrida e por quanto tempo estão dispostos a ficar no batente. Sabendo, claro, que seus ganhos dependem dessas escolhas.
Como as negociações andam difíceis (envolvem
remuneração mínima, seguridade social, segurança no trabalho, autonomia ou
vínculo empregatício etc.), o ministro meteu o pé no acelerador, seguido de uma
guinada à esquerda, sem dar seta:
— Se caso (sic) queira sair [do Brasil], o
problema é só da Uber, porque outros concorrentes ocuparão esse espaço, como é
no mercado normal.
E sugeriu o desenvolvimento de um aplicativo
“mais humano”, que permita ao motorista “trabalhar sem a neura do lucro dos
capitalistas” — missão entregue aos Correios, que, como estatal, não têm neura
com a questão do prejuízo.
O “mercado normal” a que se refere o ministro
deve ser aquele que ele abomina, justamente pela livre concorrência. Algo que,
por sinal, já existe: não faltam outras plataformas no segmento (99, BlaBlaCar,
inDriver). Todas, possivelmente, desumanas, eis que portadoras de NLC (Neura de
Lucro Capitalista), enfermidade ainda não incluída no CID, mas endêmica nos
países que geram riqueza.
Mas o ministro está certo. Se o Tinder não
quiser garantir a seus usuários o direito a união estável, pensão, comunhão
total (ou parcial, que seja) de bens — e insistir em mantê-los em condição
análoga ao concubinato, sujeitos a ghosting (em português arcaico, “tomar chá
de sumiço”) —, a Petrobras pode
assumir o nicho dos apps de relacionamento. A petroleira tem experiência em
encontrar parceiros: deu match com Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Galvão
Engenharia, Mendes Junior, Odebrecht e Queiroz Galvão. E sempre encontrou bons
partidos.
Se o iFood quiser
ir embora, a Conab se encarrega — afinal, é a Companhia Nacional de
Abastecimento. Se o Airbnb não se enquadrar na Lei do Inquilinato, entra a
Caixa, com o Minha Casa por Temporada, Minha Vida.
O Estado não consegue garantir alfabetização,
água encanada, esgoto, remédio e segurança. Mas se acha em condições de pegar,
na porta de casa, em cinco minutos, o ilustre passageiro que foge do deficiente
transporte público e de deixá-lo no destino. E por valor menor que o do táxi,
tendo na direção alguém em pleno gozo dos direitos trabalhistas. É capaz até de
voltar a oferecer uma balinha — agrado que a neura do lucro capitalista
sonegou.
he,he...Ah, o PT!
ResponderExcluirMAM
Muito bom!
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