quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Fernando Exman - A verdadeira prioridade do governo na Câmara

Valor Econômico

Aprovação da MP 1185 significaria, segundo estimativas da Fazenda, uma arrecadação de R$ 128,9 bilhões

Um líder governista dimensiona a importância que o Executivo dá ao projeto de lei que servirá de barriga de aluguel para a contestada medida provisória que mudava as regras de tributação dos incentivos fiscais de Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). A meta é aprová-lo na Câmara nas próximas semanas. “As duas maiores brigas até agora foram a PEC da Transição e a MP 1185”, diz o deputado. “A PEC da Transição e essa MP são dinheiro na veia.”

Traduzindo: a proposta de emenda constitucional aprovada no período de transição viabilizou a decolagem do governo. Não foi à toa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou a gastar seu cacife político antes mesmo de tomar posse.

Inicialmente, é verdade, o gabinete de transição queria ampliar o prazo de vigência da PEC para 2024, o que não foi acolhido pelos parlamentares. Ainda assim, o dinheiro liberado pela PEC da Transição permitiu que o governo Lula atravessasse 2023 sem que o ano se transformasse em um extenso deserto.

Promulgada no dia 21 de dezembro do ano passado, a PEC da Transição permitiu ao novo governo aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos no Orçamento de 2023 para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular. Também viabilizou algumas das políticas prometidas durante a campanha eleitoral e que não teriam como ser executadas por causa da penúria à qual as contas públicas chegaram no fim da administração anterior. Ela foi fundamental para sustentar o consumo e, na avaliação de autoridades do governo, assegurar que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) fique na casa dos 3%.

A proposta de emenda constitucional permitiu, ainda, que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fechasse as contas do último ano de seu mandato. Sob a ótica do atual governo, pagou-se o pedágio para viabilizar sua aprovação. Outro efeito colateral foi a realocação dos recursos do chamado “orçamento secreto”, depois que o modelo tradicional de emendas de relator foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

No caso dos dispositivos inicialmente previstos pelo governo na MP 1185, a expressão “dinheiro na veia” vem acompanhada das estimativas da equipe econômica. Confirmada a previsão de arrecadação, seriam R$ 128,9 bilhões nos cofres do Tesouro Nacional: R$ 26,3 bilhões no ano que vem, R$ 32,4 bilhões em 2025, R$ 34,1 bilhões no ano seguinte e R$ 36,1 bilhões em 2027.

É muito. Mas a sentença do líder aliado carrega também um valor intangível: em última instância, acrescenta o frequente interlocutor do Palácio do Planalto, a tramitação da proposta pode significar o sucesso ou o fracasso da promessa da equipe econômica de zerar o déficit primário em 2024. O projeto de lei que substitui a medida provisória já foi enviado pelo governo ao Congresso, e deve tramitar em regime de urgência para que passe também pelo Senado o mais rapidamente possível.

Seu objetivo é mudar as regras de taxação dos incentivos fiscais do ICMS, retomando a diferença na tributação federal para subvenções de custeio e investimento.

Na visão do governo, toda legislação que concedeu benefícios fiscais foi para a subvenção para investimento, e não custeio. Mas os contribuintes começaram a interpretá-la jogando todo o benefício como investimento. Com isso, foram também abatendo o benefício da base de cálculo de impostos federais.

Não é uma missão fácil. Tanto que o governo já foi levado a desistir da MP e acabou decidindo enviar o texto novamente ao Congresso via projeto de lei. O rito será menos sumário, a iniciativa será ainda mais exposta a pressões.

A proposta sofre severas críticas do setor produtivo, o qual reclama de insegurança jurídica. E tem também inimigos entre alguns governadores. Para o governo federal, aliás, esses gestores estaduais tentam manter algumas das armas que utilizam na guerra fiscal antes da aprovação da reforma tributária no Senado. Eles são majoritariamente de partidos de oposição, das regiões Sul e Sudeste.

Mas o governo considera defender uma bandeira legítima. Argumenta, também, que ela é fundamentada em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, a despeito de questionamentos até mesmo de técnicos da área econômica, está mais calçada para evitar frustrações na arrecadação. Como disse o influente deputado, a expectativa é de “dinheiro na veia”.

Por isso, até agora a preocupação com essa proposta supera, e muito, ao receio que se vê em relação ao avanço da taxação dos fundos “offshore” e exclusivos.

Na semana passada, mesmo com a viagem ao exterior do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a avaliação dos articuladores políticos do governo era que a base teria condições de forçar a aprovação da proposta de taxação dos fundos. Decidiu-se não comprar a briga. A votação ficou para esta quarta-feira (25).

Quem faz a ponte com Lira sabe que ele não receberia bem a mensagem de que sua presença não é vista mais como essencial. A própria agenda econômica poderia se tornar uma vítima mais à frente. No caso, o projeto de lei que substitui a MP 1185.

 

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