Correio Braziliense
"Biden, que enfrenta dificuldades na
campanha à reeleição, vem se revelando um falcão com a crise em Gaza",
avalia jornalista sobre a atuação do presidente dos EUA na drise humanitária do
Oriente Médio
A crise humanitária na Faixa
de Gaza, em meio à guerra entre Israel e o Hamas, a organização que
assumiu o controle do território quando o Exército israelita dele se retirou,
expõe a olho nu a crise que a Organização das Nações Unidas (ONU) atravessa,
desde a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. À época, essa foi uma
das respostas do governo norte-americano ao atentado da Al Qaeda às Torres
Gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001, a pretexto de que o ditador
iraquiano Sadam Hussein estava produzindo armas químicas — cujos laboratórios
nunca foram encontrados. Desde então, apesar das sucessivas intervenções
militares do Ocidente, os grupos terroristas e fundamentalistas só aumentaram
sua influência no Oriente Médio.
Ontem, depois de muitas negociações entre os 15 integrantes do Conselho de Segurança da ONU, os EUA vetaram a proposta de resolução que garantiria ajuda humanitária efetiva à população civil de Gaza, submetida a intensos bombardeios desde o ataque terrorista do Hamas ao território israelense. Foi o único país a se manifestar contra a ajuda humanitária das Nações Unidas.
No mesmo momento da reunião, o presidente Joe
Biden se encontrava com o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau. Biden anunciou
uma ajuda de US$ 100 milhões aos palestinos, ao mesmo tempo em que reiterou o
apoio incondicional a Israel.
China, França, Albânia, Equador, Gabão,
Japão, Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes votaram a favor da resolução
proposta pelo Brasil. Rússia e Reino Unido se abstiveram, mas Biden se opôs ao
texto, a pretexto de que a resolução deveria ser condicionada à libertação dos
reféns israelenses em poder do Hamas. O governo brasileiro lamentou o veto e
reiterou que "o Brasil considera urgente que a comunidade internacional
estabeleça um cessar-fogo e retome o processo de paz".
O embaixador do Brasil
na ONU, Sérgio Danese, e o chanceler Mauro Vieira negociaram
exaustivamente para construir uma resolução aceitável pelos EUA, cujos
diplomatas chegaram a sinalizar que votariam a favor. Mas veio a ordem para
impedir a aprovação da resolução.
Quais eram as propostas à mesa? Condenar os
atos de terrorismo perpetrados pelo Hamas em Israel, em 7 de outubro; apelar
para libertação imediata e incondicional de todos os reféns civis; conclamar a
uma pausa humanitária a fim de permitir o fornecimento, rápido e desimpedido,
da ajuda humanitária; exigir o fornecimento contínuo de bens essenciais para a
população civil, como artigos médicos, água e alimentos; além de pedir a
rescisão da ordem para que civis e funcionários das Nações Unidas evacuem toda
a área em Gaza ao norte de Wadi Gaza.
Multilateralismo
Na presidência do conselho, o governo
brasileiro lamentou que "o uso do veto tenha impedido o principal órgão
para a manutenção da paz e da segurança internacional de agir diante da
catastrófica crise humanitária provocada pela mais recente escalada de
violência em Israel e em Gaza". Ontem mesmo, Mauro Vieira viajou a Nova
York para, entre outras atividades do conselho, presidir, dia 24, debate de
alto nível dedicado à situação no Oriente Médio, inclusive a Palestina.
A reunião permitirá que países façam um novo
chamado a um cessar-fogo e à abertura de corredores humanitários. Enquanto
isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em contato permanente com o
presidente do Egito, Abdul Al-Sisi, e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas,
tenta criar condições para que a ajuda humanitária chegue aos palestinos, e os
brasileiros em Gaza possam ser resgatados. Os bombardeios de Israel buscam,
deliberadamente, forçar o êxodo da população civil da Faixa.
Biden, que enfrenta dificuldades na campanha
à reeleição, na crise de Gaza soma-se à posição radical do premiê Benjamin
Netanyahu, que decidiu ocupar novamente a Faixa, a pretexto de liquidar o
Hamas. O que está acontecendo, porém, é a ampliação da influência do grupo
terrorista na Cisjordânia, o que enfraquece ainda mais a Autoridade Palestina.
Uma nova intifada está em vias de ocorrer nessa região da Palestina, que é
controlada militarmente pelo exército de Israel.
A situação humanitária e política está fora
de controle, principalmente depois da explosão de um hospital em Gaza, que
provocou centena de mortes. Segundo Israel, a causa foi um foguete disparado
pela Jihad Islâmica, outro grupo terrorista palestino, que teria falhado. No
mundo árabe, porém, ninguém acredita nisso.
A impotência da ONU se assemelha à situação da Liga das Nações às vésperas da II Guerra Mundial. É uma ideia boa que começa a dar errado. Os EUA não reconhecem o multilateralismo como a via mais adequada para a solução dos conflitos internacionais e insiste na manutenção de mundo unipolar, sob hegemonia norte-americana, que já não pode se manter apenas em termos militares.
Verdade.
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