O Globo
A Argentina tornou-se um país ingovernável,
no sentido não haver sustentação da política econômica, independentemente da
alternância de poder
Sabemos que o grande nó que precisa ser
desatado para o avanço de reformas e ajustes na economia é de ordem política.
Claro que isso não dispensa a necessidade de programas econômicos bem
estruturados, baseados em diagnósticos corretos e propostas bem fundamentadas.
No entanto, sem lideranças capazes, dispostas à negociação e ao enfrentamento
de grupos organizados, os avanços tendem a ser tímidos. As propostas viram
utopia.
A polarização extrema da política é um grande dificultador, pois pode inviabilizar a construção de consensos. O problema é ainda maior quando prevalece o populismo nos dois polos, que gera ganhos de curto prazo, mas hipotecando o futuro. A saudável concorrência na política perde seu poder de evitar cenários extremos.
Na Argentina, todos esses problemas se
misturam. Faltam boas propostas de ajuste econômico e há grande polarização e
populismo em ambos os lados da política.
O irônico é que a Argentina começou sua
história de forma promissora. Entre 1870 e 1914, viveu sua “idade de ouro”.
Impulsionada pelo intercâmbio mundial, foi um dos mais exitosos países na
época, com o PIB per capita crescendo mais do que nos Estados Unidos, Canadá,
Austrália e Brasil; países que também contavam com vastos recursos naturais e
atraíam influxos de capitais e de imigrantes europeus. Vale ainda citar o
investimento em educação, diferentemente da maioria dos países da América
Latina – a escolaridade média em 1930 era de 3,4 anos na Argentina e 1,4 ano no
Brasil.
As duas guerras mundiais machucaram a
economia argentina. Entre 1913-45, seu crescimento per capita ficou bem aquém
do observado naquele conjunto de países. Como resultado, alimentou-se a pressão
de grupos de interesse, debilitando as frágeis instituições democráticas.
A história do peronismo começa no pós-guerra.
A política econômica de Juan Perón, eleito em 1946, tinha cunho populista, com
forte intervencionismo estatal, expansão fiscal, repressão financeira e
fechamento da economia (política tarifária, câmbio múltiplo). Como resultado,
inflação galopante, baixo crescimento e elevada volatilidade.
Pouco ou quase nada mudou. Governos que
sucederam a Perón – no regime militar e na volta da democracia em 1983 –
introduziram planos de estabilização, alguns com tentativas de redução dos
desequilíbrios fiscais. Esforços incompletos, porém, e sem continuidade por
sucessores. Os presidentes “reformistas” enfrentaram muitas dificuldades e
protestos, quando não o caos político.
O caráter pendular da política econômica, em
parte ligado ao ciclo de commodities, cobra um preço alto, que se traduz na
recorrente redução da participação da Argentina no PIB global e na maior
vulnerabilidade a choques externos.
A sobrevivência do peronismo e a incapacidade
da Argentina de renovar sua plataforma política é sinal claro do fracasso da
política. Mal comparando, seria o equivalente ao varguismo continuar como maior
referência da política do Brasil, apesar das muitas transformações desde sua
saída de cena. Diferentemente do Brasil, não há força nos partidos de centro e
tampouco moedas de barganha política.
A Argentina tornou-se um país ingovernável,
no sentido não haver sustentação da política econômica, independentemente da
alternância de poder. Os ajustes na economia, quando ocorrem, não produzem a
necessária correção de rumo, pois são tímidos, com muitas concessões
equivocadas e são descontinuados. Ao final, o sofrimento é duplo, pois os
sacrifícios impostos não trazem a “cura” prometida, isso em meio à grande
desconfiança da sociedade.
Brasil e Argentina tiveram caminhos que se
cruzaram e, em alguns aspectos, ainda são paralelos, mas aqui erramos menos. A
Argentina penalizou a agropecuária exportadora, enquanto Brasil adotou
políticas bem-sucedidas para o setor, o que se tornou passaporte para a
acumulação de reservas e a superação das crises externas frequentes. Logramos
estabilizar a economia, o que mudou as crenças da sociedade, que não aceita
retrocessos. A superação desses problemas veio com a construção de marcos
institucionais mais modernos e algum avanço em reformas estruturais.
A trágica história econômica argentina é
reflexo da falta de maturidade política para resolver conflitos. O vencedor das
eleições precisará, antes de mais nada, desarmar a política. Tarefa difícil
para qualquer eleito.
Desarmar a política,lá e cá.
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