Folha de S. Paulo
Instituições não devem se sentir traídas,
pois a elas não cabe dever de lealdade umas às outras
Por definição independentes e harmônicos, os
Poderes da República em tese não deveriam usar de suas prerrogativas nem
abdicar de seus deveres institucionais para mandar recados uns aos outros.
Mas, nesses que o ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal Marco Aurélio
Mello já definiu como "tempos estranhos", espetadas
mútuas tornaram-se parte da cena nacional, completamente contaminada por
contendas de natureza política.
A reação tão surpreendente quanto superlativa do STF a uma PEC que limita decisões monocráticas da corte, aprovada na véspera no Senado, inscreve-se nesse novo anormal. O tribunal tomou como provocação —e foi, menos pelo mérito e mais pela motivação do momento.
Consta que a ressurreição da emenda, que
andava morna nos escaninhos da Casa, deveu-se ao desejo do presidente do
Congresso, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), de atrair apoios dos bolsonaristas —em atrito
permanente com o Supremo— para a candidatura de Davi Alcolumbre (União-AP) para
sua sucessão. Tendo sido isso ou não o que moveu Pacheco a patrocinar a PEC,
haveria outras maneiras de abordar a questão das decisões monocráticas, que no
próprio Supremo são alvo de questionamento.
O contágio político entornou o caldo e levou
a corte a receber a decisão como afronta ao Poder que tanto fez em prol da
higidez democrática. Desceu um degrau e caiu no jogo da hostilidade, quando
poderia ter deixado a coisa morrer na Câmara, como já sinalizara o
presidente Arthur Lira (PP-AL).
Ou, depois, dar a última palavra declarando a emenda inconstitucional.
Ao que parece, no entanto, o Supremo
vislumbrou um precedente e decidiu impor um "alto lá" diante do risco
de aquela ter sido apenas a primeira de uma série de decisões de interferência
indevida do Legislativo no Judiciário.
Seja como for, nesse ritmo de troca de
retaliações não se transita em bom caminho, pois a instituições não cabe se
sentirem traídas nem devedoras de lealdade umas às outras.
Exatamente.
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