O Globo
Elas aparecem, criam tensão e somem
Lula vai
para o final do seu primeiro ano de governo favorecido por crises que produzem
apenas vapor. Os melhores exemplos estão em três episódios distintos.
O primeiro apareceu nas semanas iniciais de
janeiro, quando começaram os ataques despropositados do governo contra o Banco
Central. Por pouco não descambaram para insultos pessoais contra o presidente
do BC, Roberto
Campos Neto. Quando a grita começou, os juros estavam em 13,75% ao ano.
Passaram dez meses, eles estão em 12,25% sem barulho algum. A zanga tinha muito
teatro e pouca convicção.
Outro é o caso das joias sauditas. Ele vem do
governo Bolsonaro, reaparece, esquenta o clima e some até sua próxima aparição.
Há dias veio a informação de que o governo americano colabora na investigação.
Desde o início, sabe-se que Bolsonaro embolsou joias e relógios da Viúva.
O terceiro caso é mais complexo. Trata-se da dificuldade, numérica e constitucional, que obriga o Planalto a negociar com a Câmara dos Deputados, onde o doutor Arthur Lira controla seu poderoso bloco. Desde janeiro, a cada mês aparecem notícias de operações esquisitas envolvendo-o. Elas surgem, somem e voltam. Além disso, a cada desentendimento vem a ameaça de que Lira trancará a pauta de seu latifúndio. A cada dois meses toca-se esse realejo. Nisso, o essencial vai para o fundo da cena. A fritura da presidente da Caixa Econômica foi percebida em junho. Quando ela caiu, em outubro, pareceu consequência da lei da gravidade.
A zanga com os juros e as recaídas com o caso
das joias foram trovões. A entrega da Caixa foi um raio que caiu em cima de um
dos maiores bancos do país.
A bola da vez é a forma que adquiriu a
disputa entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O governo e Lula estão tecnicamente fora desse ringue. O Senado aprovou uma
emenda constitucional que limita os poderes monocráticos dos ministros do STF.
Do Supremo vieram brados de que lá não há covardes. Quem falou nisso? Em
seguida, surgiram rumores de que, no tribunal, alguém falou em “fim da lua de
mel” com o Planalto. Piorou.
Até as vidraças do STF sabem que a PEC do
Senado precisa passar pela Câmara, onde está o filtro de Arthur Lira. O que
poderia ser um debate produtivo foi transformado em vaporoso bate-boca.
Essa distorção está no código genético de
alguns ministros do Supremo, encantados com a própria projeção. Prova disso é
que nenhum deles reclama quando se diz que fulano ou sicrano foi para tal vaga
porque tinha o ministro A ou B como padrinho. Deputados e senadores convivem
com projeções e palanques. Magistrados podem evitá-las.
Todas as tensões surgidas no primeiro ano de
Lula cabem numa só passagem de Bolsonaro pelo cercadinho do Alvorada. Depois de
quatro anos de provocações, Lula fechará o ano com o mérito de ter distendido
as relações políticas.
Mesmo assim, o capitão reformado parece ter
deixado algo do seu estilo no entorno do Planalto e na sensibilidade do
Judiciário. As crises inúteis são apenas inúteis e servem, quando muito, para
soprar as vaidades de quem se mete nelas.
Verdade,em cinco minutos Bolsonaro provocava mais estragos que qualquer outro governo no seu mandato inteiro.
ResponderExcluir