Valor Econômico
Números do Orçamento mostram que há dinheiro,
mas que esse não foi totalmente gasto
Olhando para os números do Orçamento nestes
dez primeiros meses de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o que se vê são
ministérios investindo menos do que poderiam. Até agora, o Orçamento está maior
do que a capacidade de execução do governo. É de se perguntar, então, se um
eventual contingenciamento de verbas em março de 2024, provavelmente necessário
para cumprir a meta de zerar o déficit fiscal, poderia realmente levar à
paralisação de obras, como é o temor da ala política do governo.
Conforme levantamento feito por Gil Castello Branco, da organização Contas Abertas, o Orçamento deste ano destina R$ 72,6 bilhões para investimentos. Desses, haviam sido empenhados (reservados para pagamento de um contrato específico) R$ 50,1 bilhões até anteontem. Os valores efetivamente pagos chegaram a R$ 20,3 bilhões.
Os valores que não forem empenhados até o dia
31 de dezembro serão crédito orçamentário perdido, informou o especialista.
Nas duas primeiras edições do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 e 2011, o principal problema nunca foi
a falta de verbas. Foi a dificuldade em executar tudo o que estava no
Orçamento.
O economista-chefe da corretora Tullet
Prebon, Fernando Montero, mostra a baixa execução do Orçamento de outra forma.
Compara as projeções do governo para o conjunto de suas despesas este ano
(crescimento real de 8,9%), com o efetivamente realizado (5,7% de janeiro a
outubro, tomando por base estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada).
Assim, para chegar no resultado esperado, os
gastos precisariam dar um salto de 24,7% no último bimestre do ano. “Não dá
tempo”, afirmou.
Ele notou também que, a despeito de o governo
haver reforçado o Orçamento para investimentos este ano, os volumes dispendidos
até agora não são muito maiores do que os de 2022.
Na mesma linha, mas em outro ângulo, as
repórteres Edna Simão e Jéssica Sant’Ana, deste jornal, mostraram na
segunda-feira que há R$ 28 bilhões liberados e não gastos no caixa do Tesouro.
É um volume maior do que o visto em anos anteriores. Os técnicos chamam esse
fenômeno de “empoçamento”.
São três recortes mostrando que há dinheiro,
mas esse não foi totalmente gasto. Para Montero, isso é decorrência do grande
reforço orçamentário proporcionado pela Emenda Constitucional da Transição. Em
2024, avaliou, o governo terá menos folga orçamentária e a estrutura dos
ministérios estará mais organizada, por isso a tendência é o empoçamento ser
menor. “Na dúvida, [os ministros] terão Lula berrando todo dia.”
Na visão de Montero, Lula investiu contra a
meta de déficit zero e o contingenciamento de verbas em 2024 por receio de a
máquina desacelerar. “Ninguém vai se mexer, se esperar um grande bloqueio à
frente”, disse. “E ele quer investir todo o possível, claro.”
Do ponto de vista de realização de obras, o
impacto de um contingenciamento orçamentário em março de 2024 tende a ser
pequeno, avalia-se entre técnicos. Poderiam ser executadas despesas contratadas
neste ano. No entanto, haveria grande reação no campo político.
“Fazer um bloqueio grande no início do ano
produz uma sinalização ruim”, comentou um integrante do time econômico. “Ainda
que, às vezes, na prática nem tenha esse efeito todo.”
Se um eventual contingenciamento pode ser
menos impactante nos investimentos do que aparenta, o mesmo não se pode dizer
sobre o descumprimento da meta fiscal. A ala política do governo quer um
objetivo mais frouxo para ser capaz de atingi-lo, evitando as punições
previstas no arcabouço fiscal. A mais grave delas é limitar o crescimento das
despesas a 50% do aumento das receitas (e não 70%, como a regra geral).
Para conseguir um cessar-fogo em torno da
meta fiscal até março, Haddad se comprometeu a contingenciar no máximo R$ 23
bilhões no ano que vem. É o suficiente para garantir a expansão mínima de 0,6%
nas despesas e acomodar o crescimento vegetativo, segundo explicou.
“É narrativa da turma espremida entre o PT e
o mercado”, rebateu Montero. Ele calcula que, em comparação com o que foi gasto
nos 12 meses até setembro, o Orçamento de 2024 (já considerando o corte de R$
23 bilhões) é 6,3% maior, em termos reais. Ou seja, comportaria o crescimento
vegetativo de uma década.
Mesmo com essa expansão, o Orçamento de 2024
estará apertado para a maior parte dos ministérios, na comparação com 2023.
Essa situação é provocada pelo aumento de
despesas obrigatórias. Além daquelas atreladas ao salário mínimo, que têm
aumento real, voltaram a vigorar os pisos de despesas com saúde e educação.
Como mostrou o Valor no dia 16, a
revisão de alguns desses itens precisará ser discutida em 2024. Do contrário,
não será possível fechar uma proposta orçamentária para 2025, alertam técnicos.
Num ano eleitoral em que será necessário
empreender debates difíceis, os embates entre as alas política e econômica do
governo devem se intensificar. Não haverá tédio em 2024.
Um comentário:
Não mesmo,rs.
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