terça-feira, 28 de novembro de 2023

Míriam Leitão - A coerência sobre o clima

O Globo

Brasil chega à COP 28 com boas notícias, mas precisa resolver a ambiguidade em torno do combate à mudança climática

O cientista Carlos Nobre tem, entre as suas virtudes, a de se expressar de forma compreensível. Há outras qualidades, ele é um dos grandes climatologistas do mundo. Na entrevista para a jornalista Ana Lucia Azevedo, explicou que nós estamos no ano de 2023 vivendo a 1,4ºC acima da temperatura média de 1850. “E estamos sendo cozidos vivos”, descreveu Nobre. O limite do Acordo de Paris é de 1,5º acima da era pré-industrial. Se o calor médio do planeta ultrapassar esse ponto, a vida humana estará em risco.

Ana Lucia perguntou ao cientista, na entrevista publicada domingo em O GLOBO, sobre o cenário 4ºC acima do nível da era pré-industrial. Esta é a projeção do IPCC, o painel de cientistas da ONU, para o fim do século, caso nada façamos. Nobre desenhou o cenário. “O Rio teria mais de 300 dias por ano acima do limite de temperatura tolerável pelo ser humano. Temperaturas que matam idosos e bebês em meia hora e qualquer jovem saudável em duas horas. Nosso corpo não evoluiu para se adaptar a isso”.

Quem pensa que um grau e meio de elevação de temperatura, ou dois, ou três, é pouca coisa não entendeu as medidas da ciência, nem a dimensão da tragédia sobre a qual os cientistas têm nos alertado. Nem sempre os cientistas falam com clareza e, além disso, há uma dissonância cognitiva coletiva. Mas, em 2023, deu para todo mundo entender que alguma coisa está fora da ordem, porque a natureza nos sacudiu. Vimos o nunca visto. Das inundações do Sul à seca extrema na Amazônia, ao vendaval em São Paulo.

A boa notícia é que o Brasil está mandando uma enorme delegação para a COP28, em Dubai, com a ministra Marina Silva sendo portadora da notícia de que o país está derrubando o desmatamento na Amazônia. Desta vez, o governo brasileiro está reconciliado com a sociedade civil e com a ciência. Haverá só um Brasil na COP e não dois, como houve nos anos da resistência ao negacionismo bolsonarista. Naquele tempo, as organizações sociais se abrigaram no Brazil Hub. Doze ministros estarão na Conferência do Clima. A delegação contará também com o competente embaixador André Corrêa do Lago, de volta ao papel de negociador. Ele é, na atual gestão do Itamaraty, secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente.

Nem tudo é coerência. Na Câmara, o presidente Arthur Lira corre para aprovar o pacote de medidas chamadas de “verde” para impressionar a COP, entre elas, o projeto de lei que cria o mercado de carbono no Brasil. Ele nasce com um erro original. O setor agropecuário foi poupado e não terá que neutralizar suas emissões. Mas o desmatamento, nossa maior fonte de emissões, está ligado ao agronegócio, principalmente à pecuária. Na semana passada, foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente do Senado o projeto de lei que facilita a liberação de agrotóxico. Um projeto de 1999, de autoria do então senador Blairo Maggi, que deveria morrer no fundo da gaveta. Foi retirado de lá, recebeu um verniz, e está para ser aprovado no plenário. É conhecido como o PL do Veneno.

Há uma intolerável ambiguidade no Brasil em torno do combate à mudança climática. Todos os negócios se apresentam como verdes e todas as empresas alegam que estão fazendo a transição energética. A Petrobras diz que vai liderar essa transição. Divulgou um plano estratégico quase todo de energia fóssil. Há investimentos em energia limpa, mas num pequeno percentual. No plano, fica explícito que ela quer transformar o mar em torno da Amazônia na sua nova fronteira para explorar petróleo, fonte de energia que nos trouxe a esse ponto do aquecimento global. É da natureza da Petrobras ser fóssil, dirão. Correto. Mas então não se apresente como sustentável, nem líder da mudança. Isso vale para inúmeras empresas brasileiras que escondem seus estragos ao meio ambiente sob maquiagem verde. O agronegócio já contabiliza perdas com a fúria do clima, mas nem por isso deixa de patrocinar propostas tóxicas através da sua vasta frente parlamentar.

Está na hora de falar sério e agir coerentemente, quando o assunto é mudança climática. Os alertas dos cientistas estão se confirmando antes mesmo do tempo previsto. “Estamos no meio de uma queda de braço de forças climáticas planetárias”, avisou Carlos Nobre. O embaixador Corrêa do Lago disse à Folha que “o novo governo acredita na ciência”. O mais sensato é pôr em prática os conselhos da ciência.

 

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