O Globo
Brasil chega à COP 28 com boas notícias, mas
precisa resolver a ambiguidade em torno do combate à mudança climática
O cientista Carlos Nobre tem, entre as suas
virtudes, a de se expressar de forma compreensível. Há outras qualidades, ele é
um dos grandes climatologistas do mundo. Na entrevista
para a jornalista Ana Lucia Azevedo, explicou que nós estamos no ano de 2023 vivendo
a 1,4ºC acima da temperatura média de 1850. “E estamos sendo cozidos vivos”,
descreveu Nobre. O limite do Acordo de Paris é de 1,5º acima da era
pré-industrial. Se o calor médio do planeta ultrapassar esse ponto, a vida
humana estará em risco.
Ana Lucia perguntou ao cientista, na entrevista publicada domingo em O GLOBO, sobre o cenário 4ºC acima do nível da era pré-industrial. Esta é a projeção do IPCC, o painel de cientistas da ONU, para o fim do século, caso nada façamos. Nobre desenhou o cenário. “O Rio teria mais de 300 dias por ano acima do limite de temperatura tolerável pelo ser humano. Temperaturas que matam idosos e bebês em meia hora e qualquer jovem saudável em duas horas. Nosso corpo não evoluiu para se adaptar a isso”.
Quem pensa que um grau e meio de elevação de
temperatura, ou dois, ou três, é pouca coisa não entendeu as medidas da
ciência, nem a dimensão da tragédia sobre a qual os cientistas têm nos
alertado. Nem sempre os cientistas falam com clareza e, além disso, há uma
dissonância cognitiva coletiva. Mas, em 2023, deu para todo mundo entender que
alguma coisa está fora da ordem, porque a natureza nos sacudiu. Vimos o nunca
visto. Das inundações do Sul à seca extrema na Amazônia, ao vendaval em São
Paulo.
A boa notícia é que o Brasil está mandando
uma enorme delegação para a COP28, em Dubai, com a ministra Marina Silva sendo
portadora da notícia de que o país está derrubando o desmatamento na Amazônia.
Desta vez, o governo brasileiro está reconciliado com a sociedade civil e com a
ciência. Haverá só um Brasil na COP e não dois, como houve nos anos da
resistência ao negacionismo bolsonarista. Naquele tempo, as organizações
sociais se abrigaram no Brazil Hub. Doze ministros estarão na Conferência do
Clima. A delegação contará também com o competente embaixador André Corrêa do
Lago, de volta ao papel de negociador. Ele é, na atual gestão do Itamaraty,
secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente.
Nem tudo é coerência. Na Câmara, o presidente
Arthur Lira corre para aprovar o pacote de medidas chamadas de “verde” para
impressionar a COP, entre elas, o projeto de lei que cria o mercado de carbono
no Brasil. Ele nasce com um erro original. O setor agropecuário foi poupado e
não terá que neutralizar suas emissões. Mas o desmatamento, nossa maior fonte
de emissões, está ligado ao agronegócio, principalmente à pecuária. Na semana
passada, foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente do Senado o projeto de lei
que facilita a liberação de agrotóxico. Um projeto de 1999, de autoria do então
senador Blairo Maggi, que deveria morrer no fundo da gaveta. Foi retirado de
lá, recebeu um verniz, e está para ser aprovado no plenário. É conhecido como o
PL do Veneno.
Há uma intolerável ambiguidade no Brasil em
torno do combate à mudança climática. Todos os negócios se apresentam como
verdes e todas as empresas alegam que estão fazendo a transição energética. A
Petrobras diz que vai liderar essa transição. Divulgou um plano estratégico
quase todo de energia fóssil. Há investimentos em energia limpa, mas num
pequeno percentual. No plano, fica explícito que ela quer transformar o mar em
torno da Amazônia na sua nova fronteira para explorar petróleo, fonte de
energia que nos trouxe a esse ponto do aquecimento global. É da natureza da
Petrobras ser fóssil, dirão. Correto. Mas então não se apresente como
sustentável, nem líder da mudança. Isso vale para inúmeras empresas brasileiras
que escondem seus estragos ao meio ambiente sob maquiagem verde. O agronegócio
já contabiliza perdas com a fúria do clima, mas nem por isso deixa de
patrocinar propostas tóxicas através da sua vasta frente parlamentar.
Está na hora de falar sério e agir
coerentemente, quando o assunto é mudança climática. Os alertas dos cientistas
estão se confirmando antes mesmo do tempo previsto. “Estamos no meio de uma
queda de braço de forças climáticas planetárias”, avisou Carlos Nobre. O
embaixador Corrêa do Lago disse à Folha que “o novo governo acredita na
ciência”. O mais sensato é pôr em prática os conselhos da ciência.
Verdade,apoiado.
ResponderExcluir