MEC faz bem em manter data do Enem
O Globo
Mas ministério deve explicações sobre falhas
que levam candidatos a fazer provas a mais de 30 km de casa
O Ministério da Educação (MEC)
tomou a decisão correta ao não adiar a data do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem), marcado para o próximo domingo e o seguinte. Apesar dos problemas
constatados na organização — como agendamento das provas longe da casa dos
alunos —, o adiamento seria um equívoco e prejudicaria a imensa maioria dos
estudantes. De
acordo com o MEC, as falhas atingem apenas 1% dos inscritos, concentrados
em cidades grandes como São Paulo, Rio ou Brasília.
Pela alternativa sugerida pelo MEC, esses estudantes poderão fazer as provas nos dias 12 e 13 de dezembro noutros locais, desde que, para isso, se inscrevam entre 13 e 17 de novembro. Há reclamações de que esse contingente será beneficiado por ter mais tempo para estudar, mas a solução é menos danosa do que o adiamento geral.
Oferecer uma nova data não livra o MEC, no
entanto, de se explicar sobre as falhas na organização da prova. A solução só
surgiu depois da enxurrada de críticas de candidatos surpreendidos pelos locais
agendados. Pelo regulamento, a distância não pode ultrapassar 30 quilômetros da
casa do candidato. Há relatos de estudantes que precisariam se deslocar 200
quilômetros até o local da prova, um absurdo.
É verdade que alguns municípios têm adotado
medidas para facilitar a vida dos candidatos. Em São Paulo, os ônibus
funcionarão com catracas livres das 9h às 21h nos dias do Enem. A iniciativa é
louvável, mas o valor da tarifa não é o único obstáculo para quem mora longe
dos locais de prova. O tempo de deslocamento precisa ser aliado do candidato.
Não é o que acontece quando ele precisa tomar várias conduções. Nada mais
frustrante do que dar de cara com o portão fechado.
Parece óbvio que o candidato precisa prestar
o exame perto de casa. Compreende-se que, em determinados casos, isso não seja
possível por falta de instalações, pela extensão territorial ou pela densidade
populacional. Mas o limite de 30 quilômetros já é suficientemente amplo para
acomodar tais circunstâncias. Precisa ser respeitado. Salvo erro do candidato
durante o preenchimento do formulário, não há razão para alocá-lo em lugares
distantes.
O MEC atribuiu a falha à empresa contratada
para aplicar o exame. Essa explicação não basta. É preciso apurar como foram
escolhidos os locais de provas para que os erros não se repitam. A despeito da
troca de governo, o MEC tem um ano para organizar o Enem. Deveria ter pleno
domínio sobre a logística do exame.
Com 3,9 milhões de inscritos neste ano, o
Enem é o passaporte para a universidade. Trata-se de uma etapa fundamental na
vida dos jovens, por envolver seu futuro. Uma boa nota na prova abre portas
para instituições públicas, para bolsas do Prouni em universidades privadas e
para o financiamento estudantil. Sabe-se que o estresse é inevitável depois uma
preparação que costuma ser exaustiva. Por isso mesmo o MEC precisa oferecer
toda a infraestrutura necessária para que os candidatos façam a prova com tranquilidade.
Isso obviamente inclui a facilidade de acesso. Do ponto de vista do candidato,
espera-se que a dificuldade fique restrita às questões da prova.
Desemprego em queda gera menos pressão
inflacionária que no passado
O Globo
Principal explicação para recorde da
população ocupada é o êxito da reforma trabalhista de 2017
O desemprego no Brasil ficou em 7,7% no
terceiro trimestre, menor nível desde fevereiro de 2015, quando começou a subir
com o naufrágio econômico do governo Dilma Rousseff. O Brasil tinha em setembro
8,3 milhões de desempregados, quase metade do registrado no pior momento da
pandemia, quando a desocupação chegou perto de 15%. Em razão de avanços da
reforma trabalhista de 2017, como maior flexibilidade de contratação e menos
desavenças na Justiça do Trabalho, a retomada da economia permitiu ao país
voltar ao patamar abaixo de 8% sem risco significativo para a inflação, como no
passado.
Criar empregos é meta fundamental de toda
sociedade. Mas um mercado de trabalho aquecido demais eleva os salários, a
demanda por consumo e, em decorrência, os preços. De acordo com a ciência
econômica, há uma taxa de desemprego natural, abaixo da qual a criação de
empregos se torna necessariamente inflacionária. Embora a discussão sobre o
valor preciso dessa taxa no Brasil seja algo esotérica, contaminada por
inclinações ideológicas, diversos estudos confirmam que ela caiu com a reforma
de 2017. Por isso o recorde de brasileiros trabalhando hoje gera menos
preocupação com a inflação.
Na comparação com o trimestre anterior, havia
mais 929 mil ocupados em setembro. Seis de cada dez, empregados com carteira
assinada no setor privado. Os maiores empregadores foram os setores de
informação, comunicação, financeiro, imobiliário e administrativo. Os demais se
mantiveram estáveis. O rendimento médio, estimado em R$ 2.982, registrou alta
de 1,7% sobre os três meses terminados em junho e de 4,2% sobre o mesmo período
do ano passado. “Houve aumento no rendimento médio dos empregados com carteira
no setor privado, empregados no setor público e trabalhadores por conta
própria”, diz a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE,
Adriana Beringuy.
A maior parte do ganho salarial nos últimos
anos tem recaído sobre a parcela mais pobre da população, revelou estudo
recente da Fundação Getulio Vargas. O salário médio dos 25% que ganham menos
subiu 15,4% em relação a 2019. A renda dos 25% que ganham mais, em
contrapartida, sofreu queda de 0,6%. Claro que o impacto de mais emprego e
mais ganho salarial na inflação não será nulo. Mas o mercado de trabalho tem
exercido menos pressão nos preços do que se imaginava.
De acordo com o economista Fernando de
Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (FGV Ibre), a explicação para isso está não apenas no número de empregos
gerados em consequência da reforma (o numerador na taxa de desocupação), mas
sobretudo no total da população empregada ou em busca de trabalho (o
denominador), ainda abaixo do nível pré-pandemia. Se todos voltassem a procurar
emprego e não conseguissem, a desocupação estaria, diz ele, em torno de 10%.
Como a fração da população sem rendimento permanece maior do que sugere a taxa
de desemprego, a pressão inflacionária acaba sendo menor.
Bônus sem ônus
Folha de S. Paulo
Congresso aumenta poder sobre o governo;
falta contrapartida da responsabilidade
No subsolo das trepidações frequentes da
política brasileira nos últimos anos, ocorre uma reacomodação das placas
tectônicas que definem o equilíbrio de poderes. Perde musculatura o Executivo,
cujo chefe é ungido diretamente pela maioria do eleitorado.
As crises dramáticas que se abateram, por
razões distintas, sobre as administrações Dilma Rousseff (PT), Michel Temer
(MDB) e Jair Bolsonaro (PL) parecem ter acelerado um processo que de resto já
estava em curso e respondia, até certo ponto, a uma desejável necessidade de
limitar o alcance tentacular do Palácio do Planalto.
O problema foi o Congresso Nacional ter-se
fortalecido ao longo dessa trajetória a ponto de
imiscuir-se em decisões típicas de governo, mas sem a contrapartida
de os legisladores responderem política e juridicamente por seus atos.
O Tesouro Nacional, por decisão de deputados
e senadores, tornou-se o financiador da nababesca rotina das agremiações
políticas. Os fundos eleitoral e partidário terão carreado R$ 7 bilhões no
biênio 2022-23 a oligarquias sem o menor compromisso com representatividade e
democracia interna.
Trata-se de anomalia na comparação
internacional, mas não, infelizmente, a única provocada pela hipertrofia do
Legislativo. O peso das emendas parlamentares nas despesas discricionárias da
União também destoa absurdamente.
Não bastasse o tanto que o Congresso já
caminhou na transformação das idiossincrasias paroquiais de deputados e
senadores em gastos obrigatórios, o Senado agora debate tornar mandatório
também o pagamento de emendas de comissões permanentes das Casas.
A sem-cerimônia com que o Legislativo incumbe
o pagador de impostos federais de custear os caprichos de seus integrantes
contagia o próprio líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues
(Rede-AP). Ele se empenha em empurrar uma fatura de mais de R$ 6 bilhões anuais
para a União arcar com salários de servidores dos antigos territórios
nacionais.
O jogo do bilhão continua quando Arthur Lira
(PP-AL), presidente da Câmara e mandachuva do centrão, se apodera do
comando da Caixa Econômica Federal, em meio à corrosão dos limites
para a apropriação partidária de cargos que deveriam ser preenchidos por
critérios técnicos em estatais.
Deputados e senadores lambuzam-se na hora da
farra, mas não sofrem as consequências do desequilíbrio orçamentário e das
péssimas escolhas de gasto público que a sua ação inconsequente acarreta.
É preciso reequilibrar essa equação, pois a
má governança conduz ao subdesenvolvimento. Quem adquire poder precisa ganhar
também responsabilidade condizente.
Cemitérios sob nova gestão
Folha de S. Paulo
Concessão pode melhorar serviço; prefeitura
deve exigir transparência de direitos
Neste Finados, os paulistanos encontrarão os
cemitérios privatizados. Até o início deste ano, os serviços funerários e a
gestão dos espaços de sepultamento e crematórios da cidade eram exercidos
diretamente pela prefeitura, em modelo de monopólio estatal. Mas, desde março,
operam sob regime de concessão, que deve durar 25 anos.
São quatro consórcios que cobram das famílias
pelos serviços e se comprometem com a prefeitura a cumprir uma série de
exigências. O poder público fica encarregado da supervisão.
O Estado brasileiro não tem um bom histórico
como administrador, e monopólios não costumam promover a qualidade nos
serviços. A privatização, portanto, tem potencial para revelar-se uma boa
solução para anos de descaso que levaram a uma situação crítica, que inclui
depredação de jazigos com obras de arte de valor inestimável.
O êxito ou fracasso do modelo de gestão
depende de contratos bem elaborados e de rígida fiscalização.
Em setembro, o Datafolha ouviu os paulistanos sobre a nova administração dos
cemitérios. Só 9%
perceberam melhorias, ante 32% que notaram piora. A qualidade
permaneceu a mesma para 26%, e 33% não tinham opinião formada.
Tais números não surpreendem. O efeito mais
perceptível da privatização até agora foi o reajuste dos preços, que estavam
defasados. Serviços não muito luxuosos, os mais requisitados, sofreram alta
considerável. Restauros, reformas e construção de crematórios, que poderão
fazer a diferença, estão previstos para uma fase posterior.
Os consórcios, é claro, tentam melhorar a
imagem oferecendo novidades. Para este Finados, estão
previstos shows, chuvas de pétalas e até distribuição de brindes. De
forma um pouco mais permanente, há as visitas guiadas a túmulos históricos e de
celebridades.
Existe uma questão psicológica para a qual a
prefeitura precisa estar atenta. A morte de um ente querido deixa as famílias
particularmente vulneráveis. É um momento em que ninguém agirá como consumidor
racional, que busca o melhor preço e se informa adequadamente sobre seus
direitos.
Se o poder público não for rigoroso em cobrar
a exposição transparente de todas as gratuidades previstas e as tarifas mais em
conta para pessoas de menor renda, haverá abusos. Trata-se de uma curva de
aprendizado, tanto para a prefeitura como para os consórcios e também para os
munícipes.
Eleição não é vale-tudo
O Estado de S. Paulo
Ao condenar Jair Bolsonaro e Braga Netto por
uso eleitoreiro do 7 de Setembro, o TSE aplicou corretamente a Constituição.
Chapa que não respeita a lei eleitoral não pode ficar impune
Na terça-feira, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) proferiu uma importante lição ao País. Aplicando a Constituição de 1988 e
a legislação eleitoral, a Corte condenou Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto
por abuso de poder político e econômico na campanha presidencial de 2022, em
razão do uso eleitoreiro das comemorações oficiais do Bicentenário da
Independência no Rio de Janeiro e em Brasília. Na ocasião, Bolsonaro, na
condição de presidente, e Braga Netto, na de vice, eram candidatos à reeleição.
Como resultado do julgamento, o TSE declarou
a inelegibilidade dos dois candidatos por oito anos, contados a partir das
eleições de 2022. Também foi reconhecida a prática de conduta vedada a agente
público, com a aplicação de multa no valor de R$ 425 mil a Bolsonaro e de R$
212 mil a Braga Netto.
Jair Bolsonaro já estava inelegível pelo
mesmo período em razão da condenação proferida pelo TSE no processo relativo a
uma reunião com embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, na qual o então
presidente da República atacou e difamou o sistema eleitoral brasileiro. Como
as penas não se somam, a nova condenação não altera o prazo de inelegibilidade.
De toda forma, o julgamento sobre o uso
eleitoreiro do 7 de Setembro transmite uma mensagem importante para todo o
sistema político-partidário. As eleições não são um vale-tudo. Quem está em
cargo público concorrendo à reeleição não pode se valer do posto para promover
sua campanha eleitoral.
A decisão do TSE condenando Bolsonaro e Braga
Netto não se baseia em criatividade interpretativa. É estrita aplicação da
Constituição de 1988. Depois de definir que a soberania popular é “exercida
pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos”, o legislador constituinte dispôs, no art. 14, § 9.º, que a legislação
eleitoral deve estabelecer as hipóteses de inelegibilidade de modo a proteger,
entre outros fins, a “legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico
ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou
indireta”.
Não houve, portanto, nenhum ativismo
judicial. O TSE simplesmente aplicou a Lei Complementar (LC) 64/1990, que
regulamenta o art. 14 da Constituição. No processo, eram abundantes as provas
indicando a ocorrência de desvio eleitoreiro de finalidade das festividades de
7 de Setembro, com o uso das prerrogativas do cargo e de bens, serviços e
recursos públicos para promover a reeleição. Por exemplo, no ato em Brasília,
Jair Bolsonaro pediu voto em seu discurso. E um dos coordenadores da campanha,
Fábio Wajngarten, na época sem cargo no governo, foi quem orientou a chegada do
então presidente, explicitando a ilegal utilização do ato oficial para fins
eleitorais.
Com a decisão, o TSE afirma que a lei vale
para todos, também para o presidente da República. Além de reiterar o princípio
da igualdade de todos perante a lei, a condenação de Bolsonaro e de Braga Netto
é uma orientação importante para as futuras disputas eleitorais. Não se pode
fazer o que bem entender para se reeleger. O cargo público não está a serviço
da campanha eleitoral de quem detém, naquele momento, a máquina pública. É um
recado moralizador para todos, que vale para o bolsonarismo e para o lulopetismo
– useiro e vezeiro da prática.
A decisão do TSE tem ainda um outro aspecto
relevante. No processo relativo à reunião dos embaixadores, o então candidato
do PL à Vice-Presidência da República tinha sido absolvido, por ausência de
provas quanto ao seu envolvimento nos ataques às urnas eletrônicas. Agora,
Braga Netto foi declarado inelegível e recebeu pena de multa, uma vez que
participou dos atos de 7 de Setembro no Rio de Janeiro e em Brasília.
O TSE fez bem em incluir o candidato a
vice-presidente na condenação. Afinal, Braga Netto é responsável por suas
ações. Não deveria ter assentido a tão descarado abuso de poder político. Além
disso, punindo os dois, evita-se a impunidade. Não há motivo para tolerância.
Campanha abusiva deve gerar inelegibilidade de todos os integrantes da chapa.
O custo Brasil e o custo PT
O Estado de S. Paulo
Propostas do governo para reduzir disfunções
estruturais que travam os negócios só avançarão se não forem sabotadas por
petismo retrógrado e lobbies de grupos viciados em privilégios
O governo, através do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Industrial (CNDI), listou 17 projetos prioritários a serem
executados nos próximos 24 meses para reduzir o custo Brasil – o conjunto de
disfunções estruturais que travam os negócios, encarecendo produtos e serviços,
inibindo investimentos e comprometendo a produtividade e a geração de empregos.
Um levantamento do Movimento Brasil
Competitivo estimou que, em comparação à média de custos de produção dos países
da OCDE – um grupo das democracias ricas –, as despesas adicionais que as
empresas desembolsam todo ano para produzir no País chegam a R$ 1,7 trilhão,
cerca de 20% do PIB.
Seis fatores respondem por mais de 80% desse
custo. Só o ônus de mão de obra – composto pelas deficiências de capital
humano, encargos trabalhistas e judicialização dos riscos trabalhistas –
responde por até R$ 360 bilhões. As dificuldades de honrar tributos em um
sistema complicado e oneroso respondem por até R$ 310 bilhões. Os gastos com
uma infraestrutura precária pesam até R$ 290 bilhões na produção. Restrições à
oferta de capital e os custos do crédito representam até R$ 260 bilhões
adicionais, enquanto a ineficácia e a instabilidade jurídico-regulatória oneram
os produtores em até R$ 210 bilhões, e os impostos para importação, em R$ 150
bilhões.
Alguns problemas já foram parcialmente
enfrentados, por exemplo, com a reforma trabalhista ou o arcabouço fiscal (no
caso do déficit orçamentário, que impacta os juros). Outros estão sendo
enfrentados agora, como na reforma tributária. Mas frequentemente esses
esforços são minados por alas retrógradas do próprio governo, que insistem em
“rever” modernizações trabalhistas ou ameaçar sua própria meta fiscal. É o
custo PT. A reforma tributária também tem sido desidratada por pressões de
grupos corporativos ávidos em manter privilégios injustificáveis.
As propostas do CNDI miram aspectos mais
específicos, sobretudo da produção industrial, relacionados à infraestrutura,
regulação, tributação e crédito.
Algumas iniciativas consistem simplesmente em
consumar a regulação de legislações já aprovadas, como a Lei do Gás e os marcos
da cabotagem e das ferrovias. Outras acertam no diagnóstico, mas não desenham
soluções concretas, como, por exemplo, “remover barreiras à entrada de novos
investidores” ou “realizar acordos comerciais com parceiros estratégicos” – um
sintoma, talvez, da falta de clareza ou disposição do governo em relação à
integração ao comércio internacional.
Dez em dez empresários sofrem com os custos
de transporte e logística. O plano do CNDI aponta medidas indispensáveis, como
qualificar a estruturação, a governança e a prestação de contas de projetos de
infraestrutura, onde o desperdício é crônico e crescente.
Mas ainda não é claro com quais meios se fará
isso.
Várias iniciativas visam à desburocratização,
seja harmonizando leis e regulações regionais díspares (como no setor de gás
natural), seja simplificando processos de autorização (como para os terminais
de uso privado nos portos) ou racionalizando encargos setoriais (como os
incidentes sobre a tarifa de energia elétrica) e taxas (como as incidentes
sobre as exportações via portos).
Os projetos foram definidos após uma consulta
pública com empresas e entidades representativas de toda a economia. Seu maior
mérito é registrar em um único documento um consenso razoavelmente consolidado
sobre as prioridades para a redução do custo Brasil. Resta saber se, para
tirá-las do papel, setores atualmente privilegiados estarão dispostos a
renunciar a seus benefícios em prol do desenvolvimento sustentável geral, e até
que ponto o governo terá disposição e foco para as articulações políticas necessárias.
Isso vale especialmente para o maior dos entraves, o fiscal. Ampliar uma carga
tributária que já consome um terço do PIB é inviável. A opção é controlar
gastos. Mas, dado o credo desenvolvimentista do governo e o fato de que cada
área de potencial reajuste é dominada por algum grupo de influência, esse
caminho está longe de estar garantido.
Um amigo da cultura e do País
O Estado de S. Paulo
A lição de Danilo Santos de Miranda é a valorização da educação como pilar da democracia
Grandes transformações sociais não raro
começam miúdas. Inicialmente, partem de ideias e ações modestas inspiradas
apenas pela paixão típica dos visionários que dedicam boa parte de suas vidas a
inflamar os outros com seu entusiasmo pelas causas justas. Danilo Santos de
Miranda era um desses brasileiros notáveis. Sua morte, aos 80 anos, deixa um
vazio que, se não pode ser preenchido, poderá ser amenizado por quem se revelar
à altura de seguir seu legado como um dos maiores defensores da democratização
do acesso à educação e à cultura da história recente do País.
Danilo Miranda esteve à frente da regional do
Sesc em São Paulo de 1984 até o domingo passado, quando morreu por causa não
divulgada. Por mais longa e exitosa que tenha sido sua gestão do Sesc-SP,
louvá-lo como um administrador de sucesso que, ao longo de todo esse tempo,
profissionalizou a gestão da cultura no País e fez da regional paulista do Sesc
o modelo a ser seguido por todas as outras seria reduzir, de forma imperdoável,
sua enorme importância para o Brasil.
Com sólida formação humanista, desde o tempo
que passou no seminário dos jesuítas de Friburgo (RJ) ainda adolescente, Danilo
fez do Sesc-SP um dínamo da cultura nacional, mas não se restringiu a isso,
como se fosse pouco. O filósofo teve a sensibilidade e a inteligência de
perceber, desde muito cedo, que a construção de um país democrático, justo e
desenvolvido está umbilicalmente ligada ao desenvolvimento individual de seus
cidadãos por meio da educação e da cultura.
Muito mais do que somente centros culturais,
Danilo expandiu as unidades do Sesc-SP como verdadeiros centros cívicos,
espaços de cidadania e convivência nos quais os paulistas puderam encontrar de
tudo, com a mais alta qualidade, para adquirir conhecimento, fruir a arte em
suas múltiplas manifestações e se capacitar cada vez mais para a vida em
sociedade.
“O Brasil tem condições de melhorar as coisas
para o futuro”, disse Danilo ao Estadão em entrevista concedida em maio deste
ano. “Tudo isso envolve política, sim; envolve economia, sim; mas, sobretudo,
envolve a cultura e o convencimento a respeito de quem nós somos”, disse o
filósofo. A chave para a materialização desse projeto de país melhor no futuro?
“Colaborar na nossa atividade, no nosso dia a dia”, concluiu Danilo.
Danilo Miranda sempre acreditou que a cultura
e a educação eram as chaves para transformar vidas e construir um país mais
justo e próspero a partir do microcosmo individual. Ao assumir a direção
regional do Sesc-SP, fez dessa crença a espinha dorsal de uma administração que
ofereceu relevantes oportunidades culturais e educacionais para todos os
cidadãos, independentemente de sua origem social e econômica.
Seu compromisso com a democratização do acesso a bens culturais, não resta dúvida, é seu grande legado. Danilo jamais compreendeu a cultura como um artigo de luxo reservado a poucos, mas sim como um direito fundamental de todos os brasileiros e um poderoso instrumento de construção da identidade nacional, sem a qual nenhum projeto de país decente pode prosperar.
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