terça-feira, 28 de novembro de 2023

Pedro Cafardo - Bolsa pode ser arapuca para especuladores amadores

Valor Econômico

Livro de dois especialistas da FGV, não contaminado pela visão do mercado financeiro, é um alerta para os riscos e para os possíveis conflitos de interesses

Semanas atrás, as ações da Petrobras tiveram uma queda abrupta de 6%. Em um único dia, a estatal perdeu R$ 32 bilhões de seu valor de mercado. Dias depois, o Valor informou que 82% das 74 empresas que fizeram ofertas iniciais de ações (IPOs) nos últimos cinco anos têm atualmente seus papéis cotados abaixo do valor de lançamento.

Pode se perder ou ganhar muito dinheiro ao investir em ações de empresas abertas. Mas bolsa de valores não é para amadores. Ou melhor, não é para traders amadores, como explicam os economistas Bruno Giovannetti e Fernando Chague em seu livro “Trader ou investidor?”.

O livro dos dois economistas, hoje pesquisadores de finanças comportamentais e asset pricing na FGV, já resenhado pelo Valor, destaca-se porque apresenta uma visão não contaminada pelos interesses do mercado financeiro, ou seja, de corretoras e consultorias que muitas vezes prometem renda garantida com aplicações em bolsa. É um alerta para o altíssimo risco dessas promessas e do perigo de conflitos de interesse na indústria financeira. Cita, por exemplo, o professor Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, para quem “a melhor forma de evitar eventuais abusos da indústria [financeira] é recorrendo às pesquisas acadêmicas de qualidade, que produzem informação isenta e valiosa para o grande público”.

Volta e meia, jornalistas que escrevem sobre economia ouvem perguntas como “onde devo investir?”, feitas por parentes ou amigos. É bom saber que jornalistas, mesmo os mais versados em investimentos, são fontes duvidosas de informação sobre esse tema, porque em geral não são especialistas. Também porque não têm nenhuma experiência prática e estão eticamente impedidos de fazer investimentos próprios em renda variável (ações), visto que poderiam se beneficiar de informações privilegiadas que vão publicar nos dias seguintes.

Se o ideal é recorrer a pesquisas acadêmicas, então, antes de se aventurar em aplicações na bolsa, é bom entender as recomendações dos dois professores citados acima, Fernando e Bruno. Primeiro, vamos relembrar qual a diferença entre “trader” e “investidor”. Trader é aquele indivíduo que compra e vende ações com uma frequência muito alta, fica pulando de papel em papel tentando encontrar na bolsa oportunidade de lucro de curto ou curtíssimo prazo. Investidor é aquele que diversifica sua carteira de ações e busca rentabilidade que a bolsa normalmente oferece no longo prazo.

A mensagem que os dois professores tentam passar é de que o “trader amador” tem chances mínimas na sua tentativa de obter lucro com compras e vendas de curto prazo. Pela simples razão de que ele enfrenta, entre seus adversários, grandes instituições dotadas de equipes superqualificadas, com alta tecnologia e muita informação. Assim, dizem os dois economistas, as pessoas que entram na bolsa com mentalidade de trader e ilusão do lucro especulativo de curto prazo “vão quebrar a cara”. O resultado agregado obtido por essa turma, dizem, “é pior do que seria o resultado agregado de macacos que operassem aleatoriamente na bolsa”. Eles chegaram a essa conclusão pesquisando em bancos de dados em vários países, como Brasil, Finlândia e Taiwan, onde os traders amadores tiveram resultados piores do que se estivessem comprando e vendendo ações aleatoriamente. No banco de dados da CVM, analisaram o desempenho de 98 mil indivíduos que fizeram seu primeiro day-trade em ações entre 2013 e 2016. A taxa de desistência desses iniciantes é enorme: só 554 persistiam na atividade após 300 pregões. E qual foi o ganho desses 554? Nenhum. Tiveram um prejuízo médio diário de R$ 49.

Moral óbvia da história: a bolsa é para investimento de longo prazo. Só os superespecialistas profissionais, de fundos, bancos etc. conseguem ganhar dinheiro especulando.

A ordem dos economistas, portanto, é diversificar e apostar no longo prazo. Apesar de todos os choques internos e externos desde o Plano Real, a rentabilidade da bolsa foi muito boa. Quem investiu R$ 1 mil de forma diversificada na bolsa brasileira em janeiro de 1995 tinha R$ 28 mil no fim de 2022. Nesse período, a inflação levou esses R$ 1 mil para R$ 6 mil. Ou seja, o ganho superou a inflação por larga margem.

Certamente muitos traders amadores e especialistas do mercado discordam parcial ou totalmente das conclusões dos economistas Bruno e Fernando. A discussão, de qualquer forma, é relevante, porque o número de pessoas atuando na bolsa brasileira cresce de forma espantosa. Eram 500 mil em 2017, 4,6 milhões no fim do ano passado e hoje já passam de 6 milhões. Gente que precisa ficar esperta para não cair em arapucas.

 

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