Valor Econômico
Livro de dois especialistas da FGV, não
contaminado pela visão do mercado financeiro, é um alerta para os riscos e para
os possíveis conflitos de interesses
Semanas atrás, as ações da Petrobras tiveram
uma queda abrupta de 6%. Em um único dia, a estatal perdeu R$ 32 bilhões de seu
valor de mercado. Dias depois, o Valor informou que 82% das 74
empresas que fizeram ofertas iniciais de ações (IPOs) nos últimos cinco anos
têm atualmente seus papéis cotados abaixo do valor de lançamento.
Pode se perder ou ganhar muito dinheiro ao
investir em ações de empresas abertas. Mas bolsa de valores não é para
amadores. Ou melhor, não é para traders amadores, como explicam os economistas
Bruno Giovannetti e Fernando Chague em seu livro “Trader ou investidor?”.
O livro dos dois economistas, hoje pesquisadores de finanças comportamentais e asset pricing na FGV, já resenhado pelo Valor, destaca-se porque apresenta uma visão não contaminada pelos interesses do mercado financeiro, ou seja, de corretoras e consultorias que muitas vezes prometem renda garantida com aplicações em bolsa. É um alerta para o altíssimo risco dessas promessas e do perigo de conflitos de interesse na indústria financeira. Cita, por exemplo, o professor Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, para quem “a melhor forma de evitar eventuais abusos da indústria [financeira] é recorrendo às pesquisas acadêmicas de qualidade, que produzem informação isenta e valiosa para o grande público”.
Volta e meia, jornalistas que escrevem sobre
economia ouvem perguntas como “onde devo investir?”, feitas por parentes ou
amigos. É bom saber que jornalistas, mesmo os mais versados em investimentos,
são fontes duvidosas de informação sobre esse tema, porque em geral não são
especialistas. Também porque não têm nenhuma experiência prática e estão
eticamente impedidos de fazer investimentos próprios em renda variável (ações),
visto que poderiam se beneficiar de informações privilegiadas que vão publicar
nos dias seguintes.
Se o ideal é recorrer a pesquisas acadêmicas,
então, antes de se aventurar em aplicações na bolsa, é bom entender as
recomendações dos dois professores citados acima, Fernando e Bruno. Primeiro,
vamos relembrar qual a diferença entre “trader” e “investidor”. Trader é aquele
indivíduo que compra e vende ações com uma frequência muito alta, fica pulando
de papel em papel tentando encontrar na bolsa oportunidade de lucro de curto ou
curtíssimo prazo. Investidor é aquele que diversifica sua carteira de ações e busca
rentabilidade que a bolsa normalmente oferece no longo prazo.
A mensagem que os dois professores tentam
passar é de que o “trader amador” tem chances mínimas na sua tentativa de obter
lucro com compras e vendas de curto prazo. Pela simples razão de que ele
enfrenta, entre seus adversários, grandes instituições dotadas de equipes
superqualificadas, com alta tecnologia e muita informação. Assim, dizem os dois
economistas, as pessoas que entram na bolsa com mentalidade de trader e ilusão
do lucro especulativo de curto prazo “vão quebrar a cara”. O resultado agregado
obtido por essa turma, dizem, “é pior do que seria o resultado agregado de
macacos que operassem aleatoriamente na bolsa”. Eles chegaram a essa conclusão
pesquisando em bancos de dados em vários países, como Brasil, Finlândia e
Taiwan, onde os traders amadores tiveram resultados piores do que se estivessem
comprando e vendendo ações aleatoriamente. No banco de dados da CVM, analisaram
o desempenho de 98 mil indivíduos que fizeram seu primeiro day-trade em ações
entre 2013 e 2016. A taxa de desistência desses iniciantes é enorme: só 554
persistiam na atividade após 300 pregões. E qual foi o ganho desses 554?
Nenhum. Tiveram um prejuízo médio diário de R$ 49.
Moral óbvia da história: a bolsa é para
investimento de longo prazo. Só os superespecialistas profissionais, de fundos,
bancos etc. conseguem ganhar dinheiro especulando.
A ordem dos economistas, portanto, é
diversificar e apostar no longo prazo. Apesar de todos os choques internos e
externos desde o Plano Real, a rentabilidade da bolsa foi muito boa. Quem
investiu R$ 1 mil de forma diversificada na bolsa brasileira em janeiro de 1995
tinha R$ 28 mil no fim de 2022. Nesse período, a inflação levou esses R$ 1 mil
para R$ 6 mil. Ou seja, o ganho superou a inflação por larga margem.
Certamente muitos traders amadores e
especialistas do mercado discordam parcial ou totalmente das conclusões dos
economistas Bruno e Fernando. A discussão, de qualquer forma, é relevante,
porque o número de pessoas atuando na bolsa brasileira cresce de forma
espantosa. Eram 500 mil em 2017, 4,6 milhões no fim do ano passado e hoje já
passam de 6 milhões. Gente que precisa ficar esperta para não cair em arapucas.
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