quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Arthur Mello* - Gritos por democracia não devem ecoar no vazio

Correio Braziliense

O Brasil precisa de uma agenda de proteção ao Estado Democrático de Direito. Um norteador de ações nos Três Poderes da República que responda aos novos paradigmas que vivemos. E estamos atrasados

No evento de lançamento do programa para pessoas em situação de rua, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, foi ovacionado com gritos de "Xandão!". Coro que foi rapidamente sucedido por outro que dizia "Sem anistia!". Este último já havia sido entoado durante o discurso de outro presidente — dessa vez, o da República, em sua posse no primeiro dia do ano —, mas sofreu uma mudança de alvo frente ao protagonismo de outras lideranças no combate aos ataques à democracia.

Se por um lado o presidente Lula disse no 8 de janeiro que o governo não daria trégua na investigação dos atos golpistas, bastou a nova legislatura do Congresso ser empossada para que as prioridades mudassem. Houve uma grande movimentação para o convencimento de deputados e senadores de que uma Comissão Parlamentar de Inquérito não seria a melhor alternativa para a investigação dos ataques. Lideranças parlamentares ligadas ao Planalto chegaram a dizer que a instalação de uma CPI iria na contramão do que acabara de ser concretizado — a recondução do Presidente, se referindo, dessa vez, a Arthur Lira. E, infelizmente, a avaliação não se mostrou equivocada.

A partir dessas considerações, em fevereiro deste ano, o direcionamento se voltou em torno da consolidação de uma dita "normalidade democrática", em que as negociações entre a coalizão de forças no Legislativo e a responsabilização dos presos nos ataques aos prédios dos Três Poderes, no Judiciário, poderiam ser lidas como sinais de uma boa resposta para o flerte com o autoritarismo que havíamos vivido. Nada poderia simbolizar melhor esse momento do que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, relançar seu álbum de MPB nas plataformas de streaming poucos dias depois de uma operação da Polícia Federal realizar buscas na casa de membros da elite do Exército. Prioridades em meio à calmaria democrática.

Evidentemente, podemos citar uma série de ações tomadas pelo governo federal como medidas para o combate às ameaças autoritárias, tais como: a articulação, mesmo que tardia, para formar uma maioria na CPMI dos atos golpistas, a criação da Procuradoria Nacional em Defesa da Democracia na AGU e a criação da Comissão de Direitos e Democracia no Conselhão. Medidas importantes e concretizadas já no primeiro ano de governo. Entretanto, o governo federal não pode se furtar em ser protagonista na defesa da democracia.

O presidente também anunciou, recentemente, que gostaria de fazer um grande ato no próximo dia 8 de janeiro com governadores, parlamentares e empresários. Há um risco muito grande de que a foto desse ato tenha o mesmo perfil masculino e branco que vem se repetindo em outros eventos. Sem a participação da sociedade civil e a apresentação de uma agenda contundente de defesa da democracia, o primeiro aniversário da tentativa de golpe pode virar uma caricatura dos modelos de mobilização política que têm falhado nos últimos anos: uma câmara de eco sem representatividade e nem respostas aos desafios que enfrentamos.

O Brasil precisa de uma agenda de proteção ao Estado Democrático de Direito. Um norteador de ações nos Três Poderes da República que responda aos novos paradigmas que vivemos. E estamos atrasados. As eleições de 2022 foram um plebiscito entre a democracia e o autoritarismo. A democracia venceu por muito pouco e por meio de uma grande mobilização envolvendo toda a sociedade civil. O que demonstra que a democracia resistiu, mas existem fissuras.

Desse modo, precisa imperar em todas as áreas de atuação do governo a proteção e o aprimoramento do sistema democrático. A união e a reconstrução se darão a partir da soma de esforços dos poderes constituídos, da cooperação da sociedade civil e da imprensa. Ainda há tempo e vontade política para a construção e implementação da agenda permanente pela democracia. Parte considerável do eleitorado espera essa mudança institucional, que é necessária para a manutenção do Estado Democrático de Direito. A resposta aos gritos por justiça não pode ser taciturna. O Brasil voltou, mas os perigos do autoritarismo nunca foram embora.

Arthur Mello é coordenador de advocacy do Pacto pela Democracia

 

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