O Globo
O que faltou a Lula foi antever que o 8 de
Janeiro não acabaria ali, com as rápidas e exemplares punições da Justiça
Se não tivesse havido nada mais de positivo
em 2023, o ano já mereceria figurar nos livros de História como aquele em que a
democracia brasileira sobreviveu a uma tentativa de solapá-la por parte do
bolsonarismo, o movimento político que governou o país nos quatro anos
anteriores e que termina o ano com seu líder, Jair Bolsonaro, inelegível.
Não é pouca coisa, e o fato de termos não só
contido o dique do golpismo, como julgado Bolsonaro no mesmo ano em que o 8 de
Janeiro aconteceu nos coloca à frente dos Estados Unidos em termos de
mecanismos capazes de lidar com as muitas ameaças às instituições que vicejam
no mundo tomado pelas novas formas de radicalização política.
É verdade que o governo Lula, os demais
Poderes e os partidos políticos não conseguiram executar, ao longo dos 11 meses
e pouco desde a intentona golpista, uma agenda de fôlego capaz de fazer com que
a polarização que divide quase ao meio a sociedade brasileira arrefecesse.
No oportuno “Biografia do abismo”, os autores Felipe Nunes e Thomas Traumann vão além ao chamar essa divisão de calcificação, dada sua imutabilidade mesmo diante de dados e evidências e dado o descolamento até em relação aos resultados da economia, fator que sempre moveu, como um pêndulo, a avaliação de um governo entre negativa e positiva.
Os indicadores econômicos que Lula entrega
depois de um ano são, todos, superiores aos de Bolsonaro, mas ainda assim a
avaliação positiva do presidente e de sua gestão ao cabo de um ano é bastante
semelhante ao contingente que o elegeu. Foi pequeno o avanço em relação ao
eleitorado bolsonarista, e aí não se está falando nem do núcleo duro que
aplaudiu tudo que o ex-presidente fez em quatro anos — de oferecer cloroquina
para as emas a ameaçar não cumprir ordens do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fica, portanto, para um governo que ainda se
mostra muito desconectado da nova agenda global e restrito às fórmulas que
deram a Lula picos de 80% de popularidade num passado que, vê-se agora, é
remoto dada a velocidade das mudanças a tarefa de entender o que aconteceu e de
propor novos projetos se quiser amolecer os blocos petrificados.
A despeito do que mostram as pesquisas, há o
que celebrar em 2023. Quem assistiu pela TV às cenas de 8 de janeiro não
poderia imaginar que a resposta do criticado establishment seria tão rápida,
uníssona e eficaz. Basta comparar com a invasão do Capitólio americano, que
registrou mortes, ocorreu dois anos antes e até hoje apresenta um histórico de
punições mais brando que o nosso.
A atuação da Justiça em todas as etapas em
que a democracia foi posta em xeque desde 2020 foi fundamental. O Brasil deve
em grande parte ao TSE e ao STF não ter assistido a uma ruptura e ter punido
aqueles que tentaram provocá-la.
Lula também teve papel decisivo de segurar o
solavanco golpista quando entendeu que precisaria chamar todos, inclusive os
governadores oposicionistas, para um compromisso com a República naquele
momento.
O que faltou ao presidente foi antever que o
8 de Janeiro não acabaria ali, com as punições rápidas e exemplares da Justiça.
Faltou partir da frente ampla da campanha e do pacto civil pós-intentona para
tentar quebrar as bases da radicalização política com um novo discurso e uma
nova agenda, que não fosse a reprise do que deu certo lá atrás ou a reafirmação
de simpatias e crenças — como a defesa da Venezuela como democracia — que
simplesmente não encontram aderência na maioria da população brasileira.
A tarefa para 2024 é justamente entender o
que precisa mudar. Caso contrário, contrataremos um 2026 com o eleitorado
dividido e altamente radicalizado, uma revanche rancorosa de 2022. Tema para a
próxima coluna, a última do ano.
Excelente! Parabéns à colunista e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirMuito bom.
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