O Globo
Ele quis detonar o acordo com o Mercosul, da pior maneira
Dias antes da reunião de cúpula do Mercosul,
o presidente francês, Emmanuel
Macron, tentou detonar o acordo do bloco com a União Europeia. Seu tiro foi
certeiro:
— Não posso pedir aos nossos agricultores,
aos nossos industriais na França, e em toda a Europa, que façam esforços para
descarbonizar, para sair de certos produtos, depois dizer que estou removendo
todas as tarifas para trazer produtos que não aplicam essas regras.
Declaração redonda, porém impertinente. A
França se opõe a esse acordo há muitos anos. Macron podia ter esperado alguns
dias para o golpe verbal. Logo Macron, que foi maltratado por Jair
Bolsonaro e cuja mulher foi ofendida por um de seus ministros. Logo
Macron, que, ao lado de Joe Biden, construiu a rede de apoio ao respeito à
eleição de Lula.
A impertinência foi de tal tamanho que algum
analista apressado poderia atribuí-la a um rancor guardado para Bolsonaro.
(Como o general De Gaulle nunca disse que “o Brasil não é um país sério”,
coisas desse tipo acontecem nas relações com a França. A frase foi atribuída ao
embaixador do Brasil em Paris.)
Num primeiro momento, Lula evitou citar Macron e disse que a França é um país protecionista. Alguém precisa avisá-lo de que chamar um governante francês de protecionista é um elogio. Algo como acusar Arthur Lira de defender seus aliados de Alagoas.
Por sorte, a escala seguinte de Lula era uma
passagem pela Alemanha, que tem uma posição diferente em relação ao acordo com
o Mercosul. Os dias de Lula em Berlim tiveram um clima que habitualmente se
produzia em Paris. Um presidente francês impertinente e um chanceler alemão
simpático são duas novidades.
Serão necessárias muitas acrobacias para
fechar rápido um acordo entre dois blocos com a contrariedade manifesta de
países como a França e a Argentina da
campanha vitoriosa de Javier Milei.
Deixado o assunto para os diplomatas, consegue-se algum caminho, nem que seja o
compromisso de continuar conversando, como se vem fazendo há mais de 20 anos.
Contudo o verdadeiro caroço diplomático para
o Brasil e para o futuro do Mercosul está na Argentina, com a chegada de Milei.
Novamente, se o problema ficar nas mãos dos diplomatas, ele tende a ser
contido. Basta olhar para a hidrelétrica de Itaipu, que os argentinos não
queriam, para ver do que o Itamaraty é capaz.
O Brasil conviveu sem sobressaltos com o
presidente Perón. Em 1964, o governo brasileiro proibiu que o avião que o
transportava de Madri a Buenos Aires seguisse
viagem depois de pousar no Rio, numa simples escala. Perón recebeu a notícia
dentro do avião. A interferência escrachada nos assuntos de outro país agradou
aos militares que governavam a Argentina. Anos depois, num banquete no
Itamaraty, o general-presidente Agustín Lanusse enfiou uma frase de improviso
num discurso negociado, condenando de forma indireta a construção da
hidrelétrica. O então presidente Médici guardou poucos papéis, entre eles esse
texto. A saia justa que se seguiu ficou para as memórias dos diplomatas.
Em 1973 Perón voltou ao poder, mas a obra de Itaipu foi em frente.
Que bom!
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