quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Elio Gaspari - Macron respondeu a Bolsonaro?

O Globo

Ele quis detonar o acordo com o Mercosul, da pior maneira

Dias antes da reunião de cúpula do Mercosul, o presidente francês, Emmanuel Macron, tentou detonar o acordo do bloco com a União Europeia. Seu tiro foi certeiro:

— Não posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais na França, e em toda a Europa, que façam esforços para descarbonizar, para sair de certos produtos, depois dizer que estou removendo todas as tarifas para trazer produtos que não aplicam essas regras.

Declaração redonda, porém impertinente. A França se opõe a esse acordo há muitos anos. Macron podia ter esperado alguns dias para o golpe verbal. Logo Macron, que foi maltratado por Jair Bolsonaro e cuja mulher foi ofendida por um de seus ministros. Logo Macron, que, ao lado de Joe Biden, construiu a rede de apoio ao respeito à eleição de Lula.

A impertinência foi de tal tamanho que algum analista apressado poderia atribuí-la a um rancor guardado para Bolsonaro. (Como o general De Gaulle nunca disse que “o Brasil não é um país sério”, coisas desse tipo acontecem nas relações com a França. A frase foi atribuída ao embaixador do Brasil em Paris.)

Num primeiro momento, Lula evitou citar Macron e disse que a França é um país protecionista. Alguém precisa avisá-lo de que chamar um governante francês de protecionista é um elogio. Algo como acusar Arthur Lira de defender seus aliados de Alagoas.

Por sorte, a escala seguinte de Lula era uma passagem pela Alemanha, que tem uma posição diferente em relação ao acordo com o Mercosul. Os dias de Lula em Berlim tiveram um clima que habitualmente se produzia em Paris. Um presidente francês impertinente e um chanceler alemão simpático são duas novidades.

Serão necessárias muitas acrobacias para fechar rápido um acordo entre dois blocos com a contrariedade manifesta de países como a França e a Argentina da campanha vitoriosa de Javier Milei. Deixado o assunto para os diplomatas, consegue-se algum caminho, nem que seja o compromisso de continuar conversando, como se vem fazendo há mais de 20 anos.

Contudo o verdadeiro caroço diplomático para o Brasil e para o futuro do Mercosul está na Argentina, com a chegada de Milei. Novamente, se o problema ficar nas mãos dos diplomatas, ele tende a ser contido. Basta olhar para a hidrelétrica de Itaipu, que os argentinos não queriam, para ver do que o Itamaraty é capaz.

O Brasil conviveu sem sobressaltos com o presidente Perón. Em 1964, o governo brasileiro proibiu que o avião que o transportava de Madri a Buenos Aires seguisse viagem depois de pousar no Rio, numa simples escala. Perón recebeu a notícia dentro do avião. A interferência escrachada nos assuntos de outro país agradou aos militares que governavam a Argentina. Anos depois, num banquete no Itamaraty, o general-presidente Agustín Lanusse enfiou uma frase de improviso num discurso negociado, condenando de forma indireta a construção da hidrelétrica. O então presidente Médici guardou poucos papéis, entre eles esse texto. A saia justa que se seguiu ficou para as memórias dos diplomatas.

Em 1973 Perón voltou ao poder, mas a obra de Itaipu foi em frente.

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