quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Cerco a Dino evidencia desgaste do Supremo

Valor Econômico

Resistência ao perfil da Corte extrapola o bolsonarismo

O ministro Flávio Dino chegará ao Supremo Tribunal Federal como aquele que, na atual composição da Corte, terá enfrentado a maior resistência dos senadores, somados os votos na Comissão de Constituição e Justiça (17 x 10) e o plenário (47 x 31).

O resultado mostra que o embate em torno da atuação do STF pode ser ainda maior do que a decantada polarização entre lulistas e bolsonaristas. A inquirição do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) não poderia ser mais simbólica do que está em curso. O maior temor era em relação ao bolsonarismo raiz, mas foi um senador que não apenas é filiado a um partido da base, como é um ex-eleitor de Jair Bolsonaro convertido ao lulismo em 2022 que pôs em xeque a estratégia de Dino de se mostrar, ao mesmo tempo, como um nome apoiado por ministros do Supremo e mensageiro da "pacificação”'.

A sabatina já atingia nove horas de duração quando Vieira começou a explicar por que o ministro, apesar de cumprir com galhardia os dois pressupostos constitucionais, da reputação ilibada e do notório saber jurídico, não teria seu voto.

Começou por citar o ministro Gilmar Mendes, sabidamente um apoiador da indicação de Dino: “O decano da Corte é homem dotado da mais alta capacidade intelectual, mas aparentemente carente do mínimo pudor ético. Não viu problema em juntar no mesmo festim investigados, julgadores e partes interessadas em processos em curso na Corte superior. Um servidor público que se tornou milionário como empresário na área da educação, condição que a Lei Orgânica da Magistratura repudia (...) Não tem o pejo de usar a força de cargo de ministro para pressionar por interesses pessoais ou de terceiros”.

Depois foi pra cima de Dino: “O indicado é uma das principais lideranças do Brasil. (...)É um líder político de estatura e alcance inquestionáveis. Esta casa e o país inteiro, de forma intensa e reiteirada, reprovam o viés excessivamente político da Corte superior. É uma situação que (...) terá prejuízos graves para a democracia, mesmo quando os abusos são praticados com o pretexto de defendê-la. A indicação de uma liderança política como o ministro reforça a inexorável politização da Corte”.

Dino já tinha se esforçado para se mostrar parcimonioso em relação ao controle de constitucionalidade das leis e defender a regulação das redes sociais, trucidando, com elegância, toda a inquirição do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Só não pareceu estar preparado para o torpedo de Vieira. Só defendeu Gilmar Mendes, e ainda assim, sem mencioná-lo, depois que Paulo Gonet e dois senadores já haviam feito. O indicado à Procuradoria-Geral da República não parecia ter com que se preocupar, mas àquela altura, já estava claro que a aprovação de Dino seria mais apertada do que se imaginava.

Vieira, a quem Dino disse que "dificilmente" teria saúde para voltar à política aos 75, idade da aposentadoria compulsória, não foi o único senador a colocar em xeque a renúncia do ministro à política. O senador Randolphe Rodrigues (Rede-AP) tinha deixado um flanco aberto ao mencionar Epitácio Pessoa, que foi presidente depois da toga do STF, mas ninguém pegou a deixa.

Quem voltou ao tema foi senadora Teresa Cristina (PP-MS), que o indagou sobre o chapéu da política. “Não voltarei a envergá-lo, é o que creio”. E não o que decidiu. A Sérgio Moro (União-PR) disse que não abandonaria as redes sociais, mas se reservaria a opinar sobre “temas jurídicos” e futebol.

Acordos que precederam a sabatina viabilizaram a aprovação mas não foram capazes de evitar o cerco, principalmente pelo trio formado por Vieira, Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Rogério Marinho (PL-RN). O senador potiguar elencou as declarações mais polêmicas de Dino sem descuidar de provocá-lo sobre mudança na sua postura: “A Corte precisa de equilíbrio e, na Justiça, o senhor demonstrou o contrário”.

Seguro, Dino escamoteou o nervosismo com o qual chegara. Isso só ficou claro quando, depois de se ausentar da mesa, voltou, saudou e agradeceu aos que o precederam, quando a praxe é de que isso seja feito no primeiro pronunciamento à comissão.

Neste momento, o ministro mostrou que, na Corte, não sepultará o engenho dos seus embates. Mencionou o período em que Marinho, como líder do PSB, que pronunciou por extenso “Partido Socialista Brasileiro”, era seu aliado. A menção à antiga filiação irritou Marinho, expoente do bolsonarismo.

Mourão citou o código de ética recentemente aprovado pela Suprema Corte americana depois que seus ministros foram flagrados em comportamentos comuns no STF, como manifestações políticas e a aceitação de viagens e palestras patrocinadas por empresas privadas. Dino se limitou a mencionar a existência de um código semelhante no Brasil sem discorrer sobre as reiteiradas desobediências a seus preceitos.

Dino pretendia, com a sabatina, dar início à construção de um personagem distinto daquele que assumiu ao longo deste primeiro ano de governo como líder do pelotão de enfrentamento do bolsonarismo. É a mudança no seu perfil que pode evitar sua contaminação pelo mal-estar da população com a Corte derivada, em grande parte, da radicalização no enfrentamento ao bolsonarismo, a partir de 8/1.

Desta capacidade de apaziguamento dependem as condições para que Dino se torne o principal interlocutor do presidente na Corte. A sabatina mostrou que o caminho será mais longo do que se imaginava.

 

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