segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Reforma é histórica até na incorporação do avanço da extrema-direita à estrutura tributária

Valor Econômico

Votação foi um marco também porque incorporou, às barreiras remanescentes, aquelas decorrentes da ascensão da extrema-direita no país

A aprovação da reforma tributária, como diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi, de fato, histórica. Mas o marco não se deve apenas à derrubada de alguns diques erguidos, ao longo de décadas, por barões da federação e por feudos da economia nacional. Ou, ainda, à oportunidade de se buscar mais eficiência e a justiça tributárias. A votação foi histórica também porque incorporou, às barreiras remanescentes, aquelas decorrentes da ascensão da extrema-direita no país.

Foi isso que aconteceu com a supressão do inciso que incluía armas entre os produtos sobre os quais o imposto seletivo, acima da alíquota padrão, poderá incidir. Armas são caras no Brasil porque são sobretaxadas. No Rio, a tributação total sobre revólveres chega a 75,5%. Na falência de políticas de segurança pública que reduzam as armas em circulação no país em mãos de civis, a majoração de preço tem sido usada como fator inibitório. A partir da reforma tributária, não mais será.

A tramitação demonstra como o tema rompeu, inclusive, as fronteiras do bolsonarismo. A exclusão das armas do chamado “imposto do pecado”, que incidirá sobre cigarro e bebidas alcoólicas, por exemplo, havia sido aprovada na primeira votação da Câmara por uma manobra de última hora dos deputados André Figueiredo (PDT-CE) e Antonio Brito (PSD-BA).

No Senado, a incidência voltou a ser incorporada ao texto por uma articulação de entidades civis que lidam com o tema e dos senadores Alessandro Vieira (MDB-SE) e Weverton Rocha (PDT-MA).

Ao voltar para a Câmara, o tema voltou a circular no escurinho do cinema. Na votação de primeiro turno, a incidência havia sido mantida. Foi no segundo turno, iniciado depois das 22h da última sexta-feira (15), que surgiu um destaque para votação em separado, do deputado Altineu Cortes (PL-RJ), para excluí-las.

Faltaram 15 votos para manter as armas no rol de produtos que podem ser majorados para além da alíquota padrão do IVA. Além do PL do Novo e do Patriotas, que votaram em bloco, PSD e União Brasil, dois partidos refastelados na Esplanada dos Ministérios, deram a maioria de seus votos a favor da arma mais barata.

O placar demonstra que o tema extrapolou a bancada da bala e o bolsonarismo. Ativistas que, ao longo de toda a tramitação, batalharam pela manutenção da majoração, acabaram por se conformar que as armas não tenham ficado sujeitas a benefícios que reduzissem sua tributação para aquém da alíquota padrão. Foi com uma brecha nesta direção que o texto passou ao começar a tramitar pela Câmara.

Por mais que as políticas públicas de segurança se apliquem na apreensão do armamento ilegal que circula no país e na restrição ao livre trânsito daquelas que são legais, não há dúvida de que o texto da reforma facilitará a aquisição de armas para uso privado.

O resultado não anula os esforços do ministro Fernando Haddad, dos relatores e dos presidentes das duas Casas em aprovar a reforma. Não impede também que a população venha a sentir os benefícios de uma estrutura tributária simplificada quando a reforma, a partir da aprovação da legislação complementar, passar a ter plena vigência.

O que ainda não foi devidamente aquilatado, porém, é a coexistência desta nova redistribuição de tributos (um pouco) mais eficiente e justa, com uma sociedade que não aceita pagar a mais para se armar.

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