O Globo
Itamaraty deveria dar prioridade à região em
que somos naturalmente o líder. Até agora, o governo brasileiro atuou de
maneira correta, mas não suficiente, diante da belicosidade da Venezuela
O presidente Lula ganhou uma oportunidade
para afirmar-se no cenário internacional como líder importante
geopoliticamente, se conseguir controlar os arroubos autoritários de seu amigo
e companheiro de ideologia Nicolás Maduro na disputa com a Guiana pelo
território de Essequibo, fantasiosamente ressuscitada.
Até agora, o governo brasileiro atuou de maneira correta, mas não suficiente, diante da belicosidade da Venezuela. Mandar tanques e homens para a fronteira de Roraima, e anunciar que não permitirá que o Brasil seja rota para eventuais tropas venezuelanas que tentarem invadir a Guiana, é a medida preventiva do território brasileiro necessária, mas até agora só o ministro da Defesa, José Mucio, se pronunciou oficialmente. Nem o Itamaraty, muito menos o presidente Lula tomaram posição oficial sobre o mérito da disputa, evidentemente um arroubo autoritário de um ditador em busca de votos e apoio popular à custa da invasão de um país vizinho.
Mesmo que se trate apenas de bravata
eleitoreira, o ditador Maduro tem de ser contido em sua escalada, pois ela pode
acabar fora de controle, numa região em que o Brasil é o líder natural. Um
conflito na região de Essequibo pode atrair países como Estados Unidos e Reino
Unido, ambos em defesa da Guiana. Os americanos, porque a empresa de petróleo
ExxonMobil descobriu e explora o petróleo da região, uma bacia calculada em 15
bilhões de barris, que fez com a economia da Guiana obter crescimento
extraordinário nos últimos dois anos, perto de 40% do PIB. (A Venezuela tem
cerca de 300 bilhões de barris de petróleo, a maior reserva do mundo, mas uma
produção que não fica nem entre as 15 maiores).
Também o Reino Unido poderá ser acionado pela
Guiana, que mantém um tratado de proteção como antiga colônia britânica. O
Brasil deveria estar mais preocupado com a disputa entre Venezuela e Guiana do
que com a guerra entre Israel e Hamas no Oriente Médio ou entre Ucrânia e
Rússia. Nas disputas citadas, o país não tem força geopolítica para ser um
player importante, por mais que o presidente Lula se empenhe.
Mas disputas na América do Sul, mais
especificamente na fronteira com o Brasil, deveriam ser prioritárias. Não
apenas para reafirmar nossa liderança na região, como também para dar exemplo
de que situações históricas delicadas podem ser resolvidas na base do acordo,
como vive repetindo Lula a respeito das crises internacionais.
O assessor especial para assuntos
internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, já advertiu sobre o perigo da
situação, que envolve questões emocionais e pode levar à perda de controle.
Maduro avança muito velozmente em direção a um embate direto ao inventar um
novo mapa da Venezuela com a anexação da região de Essequibo e ao dar um prazo
para que os habitantes da região se retirem.
É preciso que o Brasil exerça sua liderança
para evitar novos passos que possam tornar a questão incontornável para o povo
venezuelano. Lula diz que não se mete na política interna de outros países, mas
se mete em várias outras questões, menos nos países que nos são próximos,
especialmente aqueles com governos de esquerda — o que significa uma
incoerência, uma dificuldade política.
Uma guerra na nossa fronteira é perigosa para
nós. Não há como achar que não pode atingir o Brasil. A única manifestação do
presidente brasileiro foi que não quer “confusão na vizinhança”, sem tom de
advertência, mas de insatisfação, talvez porque o Brasil esteja na presidência
do G20 até o fim do próximo ano, e “confusão na vizinhança” é o que não se
quer. Para piorar, podemos ter outros problemas na região, porque o presidente
eleito da Argentina, Javier Milei, disse que quer retomar as Malvinas. É mais uma
confusão na nossa área de influência, e o Itamaraty deveria dar prioridade à
região em que somos naturalmente o líder.
Quanta loucura!
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