domingo, 10 de dezembro de 2023

Rolf Kuntz - O Brasil também precisa de Lula

O Estado de S. Paulo

Entre o belicismo de Maduro e a grosseria de Milei, o presidente parece ter tido pouco tempo, no início deste mês, para avaliar as condições do País e cuidar das expectativas

Tendo falhado na promoção da paz entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha algum sucesso, enfim, se der maior atenção ao Brasil e a seus vizinhos. O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, um democrata, segundo Lula, andou rosnando e ameaçando tomar um pedaço da Guiana. O presidente brasileiro pediu bom senso aos governantes dos dois países. Mais uma vez, tratou vilão e vítima como se fossem equivalentes, como havia feito depois da guerra na Ucrânia. Mas foi mais discreto que em outras ocasiões, evitando, talvez, impor algum incômodo ao companheiro chavista. A diplomacia brasileira também deu atenção, nos últimos dias, à eleição na Argentina. Lula enviou saudações ao povo argentino e ao recém-eleito, Javier Milei, sem, no entanto, mencionar seu nome. O desbocado Milei o havia chamado de corrupto.

Entre o belicismo de Maduro e a grosseria de Milei, o presidente Lula parece ter tido pouco tempo, no início deste mês, para avaliar as condições do Brasil e cuidar das expectativas. A economia brasileira cresceu 3,1% nos 12 meses até setembro, em relação aos 12 meses anteriores. Mas perdeu vigor, no período recente, e no terceiro trimestre a produção foi apenas 0,1% maior que a do segundo. A agropecuária, há muitos anos o setor mais eficiente e mais dinâmico da economia brasileira, desta vez despencou 3,3%.

O resultado geral foi salvo pela indústria e pelos serviços, ambos com crescimento trimestral de 0,6%. Mas de janeiro a setembro a produção do campo, avaliada a preços de mercado, superou por 18,1% a de um ano antes, enquanto a da indústria, medida pelo mesmo critério, avançou apenas 1,2%. Além disso, o desempenho industrial, no período de julho a setembro, foi 8,3% inferior ao de dez anos antes.

Maior e mais desenvolvida economia da América Latina, o Brasil continua incapaz de reverter, de forma segura, a desindustrialização iniciada no final do século passado. O quadro fica mais feio quando se vê o desempenho da indústria de transformação, porque o conjunto da atividade industrial vem sendo sustentado pelas contribuições positivas das indústrias extrativas e daquelas produtoras e distribuidoras de eletricidade, gás e água.

Classificado por instituições multilaterais como economia de industrialização recente, o Brasil talvez seja descrito de modo mais preciso como um país em processo de desindustrialização.

O ministro da Indústria e do Comércio, vice-presidente Geraldo Alckmin, parece reconhecer o enfraquecimento do setor industrial. Já anunciou um esforço de neoindustrialização, mas tem sido difícil, até agora, perceber os avanços dessa política. Com juros muito altos, há pouco estímulo para o investimento em expansão e modernização do sistema empresarial. Mas o custo financeiro, embora seja um problema evidente, é apenas parte dos obstáculos.

Embora prometa a retomada do crescimento, o presidente Lula nunca apresentou um plano de governo bem estruturado e detalhado. Além disso, jamais se comprometeu claramente com a estabilidade fiscal, mesmo depois de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter fixado para 2024 a meta de déficit zero. O arcabouço fiscal enviado ao Congresso poderia valer como um contrato de austeridade, mas só se o discurso presidencial indicasse uma disposição inequívoca de buscar esse equilíbrio.

Essa busca deveria incluir, obviamente, a aceitação do corte de gastos. Tanto melhor se essa política incluísse uma racionalização administrativa. Mas isso implicaria, certamente, readequação do pessoal e do aparelho administrativo. São noções incompatíveis com a criação de cargos e até de ministérios para concretizar negociações políticas e acomodar aliados.

Quando se combinam essas acomodações e a evidente resistência à ideia de cortes orçamentários, fica mais difícil apostar num esforço de arrumação fiscal nos próximos meses. Fica mais difícil, portanto, prever uma queda significativa dos custos financeiros no primeiro semestre de 2024. Essa queda vai depender, em parte, das expectativas dos membros do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Dependerá também da avaliação da política fiscal pelo pessoal do mercado financeiro. As avaliações, por enquanto, indicam ceticismo.

As perspectivas poderão ficar pouco mais claras quando o Copom anunciar os novos juros básicos, na quarta-feira, e apresentar a reavaliação das condições econômicas. Por enquanto, o mercado calcula uma redução dos juros básicos de 12,25% para 11,75%, neste fim de ano. O cenário inclui inflação de 3,92% em 2024 e juros de 9,25% no final do próximo ano – uma taxa ainda incompatível com uma economia vigorosa. Mas a ideia de uma economia solta e próspera está fora desse quadro. As projeções apontam expansão econômica de apenas 1,50% nos próximos 12 meses. O presidente Lula poderia mudar esse quadro se indicasse, de forma clara e crível, um compromisso de boa gestão fiscal em seu segundo ano de governo. Com mais confiança, empresas e consumidores cuidariam do crescimento. •

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário