O Estado de S. Paulo
Entre o belicismo de Maduro e a grosseria de
Milei, o presidente parece ter tido pouco tempo, no início deste mês, para
avaliar as condições do País e cuidar das expectativas
Tendo falhado na promoção da paz entre Rússia
e Ucrânia e Israel e Hamas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha
algum sucesso, enfim, se der maior atenção ao Brasil e a seus vizinhos. O
ditador venezuelano, Nicolás Maduro, um democrata, segundo Lula, andou rosnando
e ameaçando tomar um pedaço da Guiana. O presidente brasileiro pediu bom senso
aos governantes dos dois países. Mais uma vez, tratou vilão e vítima como se
fossem equivalentes, como havia feito depois da guerra na Ucrânia. Mas foi mais
discreto que em outras ocasiões, evitando, talvez, impor algum incômodo ao
companheiro chavista. A diplomacia brasileira também deu atenção, nos últimos
dias, à eleição na Argentina. Lula enviou saudações ao povo argentino e ao
recém-eleito, Javier Milei, sem, no entanto, mencionar seu nome. O desbocado
Milei o havia chamado de corrupto.
Entre o belicismo de Maduro e a grosseria de Milei, o presidente Lula parece ter tido pouco tempo, no início deste mês, para avaliar as condições do Brasil e cuidar das expectativas. A economia brasileira cresceu 3,1% nos 12 meses até setembro, em relação aos 12 meses anteriores. Mas perdeu vigor, no período recente, e no terceiro trimestre a produção foi apenas 0,1% maior que a do segundo. A agropecuária, há muitos anos o setor mais eficiente e mais dinâmico da economia brasileira, desta vez despencou 3,3%.
O resultado geral foi salvo pela indústria e
pelos serviços, ambos com crescimento trimestral de 0,6%. Mas de janeiro a
setembro a produção do campo, avaliada a preços de mercado, superou por 18,1% a
de um ano antes, enquanto a da indústria, medida pelo mesmo critério, avançou
apenas 1,2%. Além disso, o desempenho industrial, no período de julho a
setembro, foi 8,3% inferior ao de dez anos antes.
Maior e mais desenvolvida economia da América
Latina, o Brasil continua incapaz de reverter, de forma segura, a
desindustrialização iniciada no final do século passado. O quadro fica mais
feio quando se vê o desempenho da indústria de transformação, porque o conjunto
da atividade industrial vem sendo sustentado pelas contribuições positivas das
indústrias extrativas e daquelas produtoras e distribuidoras de eletricidade,
gás e água.
Classificado por instituições multilaterais
como economia de industrialização recente, o Brasil talvez seja descrito de
modo mais preciso como um país em processo de desindustrialização.
O ministro da Indústria e do Comércio,
vice-presidente Geraldo Alckmin, parece reconhecer o enfraquecimento do setor
industrial. Já anunciou um esforço de neoindustrialização, mas tem sido
difícil, até agora, perceber os avanços dessa política. Com juros muito altos,
há pouco estímulo para o investimento em expansão e modernização do sistema
empresarial. Mas o custo financeiro, embora seja um problema evidente, é apenas
parte dos obstáculos.
Embora prometa a retomada do crescimento, o
presidente Lula nunca apresentou um plano de governo bem estruturado e
detalhado. Além disso, jamais se comprometeu claramente com a estabilidade
fiscal, mesmo depois de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter fixado
para 2024 a meta de déficit zero. O arcabouço fiscal enviado ao Congresso
poderia valer como um contrato de austeridade, mas só se o discurso
presidencial indicasse uma disposição inequívoca de buscar esse equilíbrio.
Essa busca deveria incluir, obviamente, a
aceitação do corte de gastos. Tanto melhor se essa política incluísse uma
racionalização administrativa. Mas isso implicaria, certamente, readequação do
pessoal e do aparelho administrativo. São noções incompatíveis com a criação de
cargos e até de ministérios para concretizar negociações políticas e acomodar
aliados.
Quando se combinam essas acomodações e a
evidente resistência à ideia de cortes orçamentários, fica mais difícil apostar
num esforço de arrumação fiscal nos próximos meses. Fica mais difícil,
portanto, prever uma queda significativa dos custos financeiros no primeiro
semestre de 2024. Essa queda vai depender, em parte, das expectativas dos
membros do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Dependerá
também da avaliação da política fiscal pelo pessoal do mercado financeiro. As
avaliações, por enquanto, indicam ceticismo.
As perspectivas poderão ficar pouco mais
claras quando o Copom anunciar os novos juros básicos, na quarta-feira, e
apresentar a reavaliação das condições econômicas. Por enquanto, o mercado
calcula uma redução dos juros básicos de 12,25% para 11,75%, neste fim de ano.
O cenário inclui inflação de 3,92% em 2024 e juros de 9,25% no final do próximo
ano – uma taxa ainda incompatível com uma economia vigorosa. Mas a ideia de uma
economia solta e próspera está fora desse quadro. As projeções apontam expansão
econômica de apenas 1,50% nos próximos 12 meses. O presidente Lula poderia
mudar esse quadro se indicasse, de forma clara e crível, um compromisso de boa
gestão fiscal em seu segundo ano de governo. Com mais confiança, empresas e
consumidores cuidariam do crescimento. •
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