Folha de S. Paulo
Nem todo livro antigo é raro, e alguns dos
grandes clássicos não são tão raros como se pensa
Há dias arrematei num leilão um exemplar da
1ª edição do romance "1984", de George Orwell. A original, inglesa,
da Secker & Warburg, de 1949. E nem me custou tanto —para citar dois marcos
de Copacabana, mais caro do que um prato de empadinhas no Caranguejo e mais
barato do que uma porção de picles no Copacabana Palace. E só por isso pude
disputá-lo: por ser um troféu da literatura, mas não tão raro que o tornasse
proibitivo para jornalistas órfãos e desamparados.
"O quê?", dirá você. "Então uma 1ª edição de ‘1984’ não é rara?". Nem tanto. Orwell já era famoso e vinha do enorme sucesso de "Animal Farm" (no Brasil, "A Revolução dos Bichos"), em 1946. "1984" já era esperado antes mesmo de sair. E não posso garantir qual foi a tiragem inicial, mas sabe-se que foi grande e vendeu tudo. Desde então, aqueles exemplares correram mundo nas mãos de particulares, leiloeiros e donos de sebo, e muitos sobreviveram, como o que comprei. Uma 1ª edição de "Animal Farm" rende mais ao martelo.
O mesmo quanto a "Ulysses", de
James Joyce. No mercado internacional, rolam dezenas de exemplares da famosa 1ª
edição, de 1922. Claro que, pelo prestígio e importância, é um objeto caro
—segundo os catálogos, US$ 90 mil. Só que uma 1ª edição de "A Portrait of
the Artist as a Young Man", do mesmo Joyce, de 1916, quando ele ainda não
era tão James Joyce, não sai por menos de US$ 100 mil.
Nem todo livro antigo é raro —é só antigo. É
fácil achar em antiquários as edições originais de toda a obra de Machado de
Assis, entre 1861 e 1908. Basta ter dinheiro. Quero saber é quem tem a 1ª
edição de "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de
Almeida, de 1854-55, em dois volumes, ou a de "O Guarani", de José de
Alencar, de 1857, em quatro fascículos. Isso, sim, é difícil.
Pergunte ao poeta, colecionador e acadêmico
Antonio Carlos Secchin, que tem as duas.
*Jornalista e escritor, autor das biografias
de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia
Brasileira de Letras.
Sei.
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