O Globo
Depois de muita fumaça, o ano termina com a
tentativa de concórdia entre os Poderes, sinal de maturidade republicana
O ano termina com a pauta anti-Supremo
engatilhada pelo Senado devidamente acomodada na gaveta de Arthur Lira.
Enquanto isso, nos bastidores, é costurado um acordo para colocar panos quentes
na disputa entre os Poderes e construir um 2024 de menos treta institucional.
O primeiro sinal de harmonia deverá ser
simbólico. Lula, Lira, Rodrigo Pacheco e Luís Roberto Barroso deverão voltar a
se reunir na segunda-feira, 8 de janeiro, para marcar um ano da tentativa de
supressão da democracia promovida por bolsonaristas que invadiram e
vandalizaram as sedes dos Três Poderes.
Os demais gestos serão menos fotográficos e mais políticos. Uma das primeiras pautas a testar até onde cada um dos vizinhos de praça está disposto a ir para reduzir as fricções será a definição quanto ao regramento para a demarcação de terras indígenas.
Nos gabinetes, conversa-se que o STF, em vez
de simplesmente declarar inconstitucional o projeto que fixa o marco temporal
aprovado no Congresso, vetado por Lula e resgatado pelo Legislativo com a
derrubada do veto, indique que caberá aos deputados e senadores fixar uma regra
limitando a possibilidade de propriedades já estabelecidas ou cidades inteiras
serem consideradas terras indígenas no futuro. Os parlamentares avaliam que a
solução dada por Alexandre de Moraes, que estabelece indenizações nesses casos
e fala em laudo antropológico, é um começo de caminho para uma solução
negociada.
Outro indicativo de trégua deverá vir do
arquivamento por tempo indeterminado, pela Corte suprema, da Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, impetrada pelo PSOL, que
busca a descriminalização do aborto. Barroso já deu declarações de que o tema
não será prioridade em 2024, e isso ajuda, no entender dos parlamentares, a
desanuviar o clima que levou o Senado a correr para dar respostas aos ministros
votando propostas que limitavam suas prerrogativas.
Também na questão da desoneração das folhas
de pagamento se articula uma saída salomônica, em que o Supremo derrube apenas
parte do projeto aprovado nas duas Casas, mas preserve a prorrogação do
benefício aos 17 setores da economia.
Caso esse roteiro de gestos avance, deverá
partir da Câmara uma saída que poderia agradar a todos. No lugar da PEC
limitando decisões monocráticas ou mesmo da discussão de mandato para ministros
do STF — que não conta com a aprovação de Lira, por isso não deve avançar —, o
que tem mais chance de ganhar corpo é outra mudança na Constituição que limite
os casos em que partidos políticos podem bater às portas do Judiciário para
tentar reverter derrotas políticas.
É consenso entre os políticos, do PT ao PL,
passando pelas siglas do Centrão, que a judicialização virou um vício das
minorias para tentar desfazer votações no Congresso em que prevalece a vontade
da maioria. O caminho para conter esse expediente seria uma emenda que
estabelecesse um “sarrafo”, como dizem os pais da ideia, mais elevado para que
partidos possam questionar a constitucionalidade de matérias chanceladas pelo
Legislativo.
A limitação poderia ser quanto aos temas ou
pela exigência de um número maior de siglas ou parlamentares subscrevendo as
ações, para evitar o que se chama jocosamente de “efeito Randolfe”, referência
à frequência com que o atual líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues,
atravessava a rua para protocolar ADIs quando estava na oposição.
Essa trava é vista com simpatia pelos
próprios magistrados, cujos gabinetes estão sobrecarregados de demandas para as
quais eles mesmos acreditam que não deveriam ser acionados.
Depois de muita fumaça, portanto, o ano
termina com a tentativa de concórdia entre os Poderes. E isso é sinal de
maturidade republicana.
Muito bom.
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