sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Vera Magalhães - Acordo à vista com o STF

O Globo

Depois de muita fumaça, o ano termina com a tentativa de concórdia entre os Poderes, sinal de maturidade republicana

O ano termina com a pauta anti-Supremo engatilhada pelo Senado devidamente acomodada na gaveta de Arthur Lira. Enquanto isso, nos bastidores, é costurado um acordo para colocar panos quentes na disputa entre os Poderes e construir um 2024 de menos treta institucional.

O primeiro sinal de harmonia deverá ser simbólico. Lula, Lira, Rodrigo Pacheco e Luís Roberto Barroso deverão voltar a se reunir na segunda-feira, 8 de janeiro, para marcar um ano da tentativa de supressão da democracia promovida por bolsonaristas que invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes.

Os demais gestos serão menos fotográficos e mais políticos. Uma das primeiras pautas a testar até onde cada um dos vizinhos de praça está disposto a ir para reduzir as fricções será a definição quanto ao regramento para a demarcação de terras indígenas.

Nos gabinetes, conversa-se que o STF, em vez de simplesmente declarar inconstitucional o projeto que fixa o marco temporal aprovado no Congresso, vetado por Lula e resgatado pelo Legislativo com a derrubada do veto, indique que caberá aos deputados e senadores fixar uma regra limitando a possibilidade de propriedades já estabelecidas ou cidades inteiras serem consideradas terras indígenas no futuro. Os parlamentares avaliam que a solução dada por Alexandre de Moraes, que estabelece indenizações nesses casos e fala em laudo antropológico, é um começo de caminho para uma solução negociada.

Outro indicativo de trégua deverá vir do arquivamento por tempo indeterminado, pela Corte suprema, da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, impetrada pelo PSOL, que busca a descriminalização do aborto. Barroso já deu declarações de que o tema não será prioridade em 2024, e isso ajuda, no entender dos parlamentares, a desanuviar o clima que levou o Senado a correr para dar respostas aos ministros votando propostas que limitavam suas prerrogativas.

Também na questão da desoneração das folhas de pagamento se articula uma saída salomônica, em que o Supremo derrube apenas parte do projeto aprovado nas duas Casas, mas preserve a prorrogação do benefício aos 17 setores da economia.

Caso esse roteiro de gestos avance, deverá partir da Câmara uma saída que poderia agradar a todos. No lugar da PEC limitando decisões monocráticas ou mesmo da discussão de mandato para ministros do STF — que não conta com a aprovação de Lira, por isso não deve avançar —, o que tem mais chance de ganhar corpo é outra mudança na Constituição que limite os casos em que partidos políticos podem bater às portas do Judiciário para tentar reverter derrotas políticas.

É consenso entre os políticos, do PT ao PL, passando pelas siglas do Centrão, que a judicialização virou um vício das minorias para tentar desfazer votações no Congresso em que prevalece a vontade da maioria. O caminho para conter esse expediente seria uma emenda que estabelecesse um “sarrafo”, como dizem os pais da ideia, mais elevado para que partidos possam questionar a constitucionalidade de matérias chanceladas pelo Legislativo.

A limitação poderia ser quanto aos temas ou pela exigência de um número maior de siglas ou parlamentares subscrevendo as ações, para evitar o que se chama jocosamente de “efeito Randolfe”, referência à frequência com que o atual líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, atravessava a rua para protocolar ADIs quando estava na oposição.

Essa trava é vista com simpatia pelos próprios magistrados, cujos gabinetes estão sobrecarregados de demandas para as quais eles mesmos acreditam que não deveriam ser acionados.

Depois de muita fumaça, portanto, o ano termina com a tentativa de concórdia entre os Poderes. E isso é sinal de maturidade republicana.

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