segunda-feira, 17 de abril de 2023

Bruno Carazza* - Um ministério de presidenciáveis

Valor Econômico

No governo Lula 3, todos são sócios e concorrentes entre si

O retorno de Lula, em decorrência da anulação de suas condenações pelo Supremo Tribunal Federal, detonou uma reconfiguração no jogo do poder tão significativa que a vitória sobre Jair Bolsonaro foi apenas o primeiro capítulo de uma história que ainda terá muitas reviravoltas até o final do seu mandato.

Terremoto que abalou as estruturas da política brasileira, a Operação Lava-Jato decretou o fim da carreira de figurões de Brasília e dizimou o patrimônio eleitoral de alguns dos partidos mais fortes da República. De 2014 a 2018, muitos tentaram se apresentar como o novo e ocupar o vazio provocado pelas prisões e acordos de delação premiada - até que surgiu Bolsonaro.

Quando Lula deixou a prisão em Curitiba, abriu-se a possibilidade concreta não apenas de sua volta à Presidência da República, mas da restauração da ordem política institucional devastada pela Lava-Jato e pela gestão de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.

O terceiro mandato de Lula precisa ser interpretado como a passagem para um futuro que, em muitos sentidos, é também passado. E isso fica muito claro pelos lemas adotados nestes primeiros quatro meses de governo: “União e Reconstrução” e “O Brasil Voltou”.

Sergio Lamucci - O dólar abaixo de R$ 5 e as perspectivas para a moeda

Valor Econômico

Ainda há muita incerteza sobre a trajetória do câmbio até o fim do ano

O real se fortaleceu nas últimas semanas, com a cotação do dólar em relação à moeda brasileira enfim caindo abaixo de R$ 5. Um câmbio valorizado por mais tempo pode ser um fator adicional a abrir espaço para o Banco Central (BC) começar a cortar os juros, se isso influenciar as projeções para a inflação, que seguem acima das metas perseguidas pelo Banco Central (BC). Apesar da trajetória de apreciação do real nas últimas semanas, porém, há muitas incertezas sobre a sustentabilidade do movimento.

Nos últimos 30 dias, o dólar recuou 38 centavos, passando de R$ 5,29 para R$ 4,91. A queda de 7,2% da moeda ocorreu num cenário marcado pela melhora no cenário externo, com a redução dos temores de uma crise bancária nos EUA e na Europa, sinais de alguma moderação da inflação americana, o enfraquecimento do dólar em relação a outras moedas e a alta dos preços de commodities.

Gustavo Loyola* - Nunca é diferente

Valor Econômico

Os problemas trazidos pelo SVB mostram que lições das crises passadas acabam sendo esquecidas

Em seu livro “Oito séculos de delírios financeiros - desta vez é diferente”, os economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhardt, a partir de minucioso e amplo estudo de oito séculos de crises financeiras, concluem que há um padrão repetitivo nesses episódios e que governos e agentes de mercado têm memória curta, o que facilita a repetição cíclica de períodos de euforia financeira que terminam em desastres que afetam de maneira sistêmica a economia.

Os mercados financeiros são propensos a ciclos extremos. Esse tipo de comportamento cíclico foi extensamente estudado pelo economista pós-keynesiano Hyman Minsky, cuja obra, infelizmente, não mereceu a devida atenção na academia e, principalmente, entre os formuladores de políticas públicas. A partir de seu trabalho foi cunhada a expressão “momento Minsky” que justamente descreve a situação do fim de um período de otimismo excessivo, em que os investidores foram incentivados a tomarem riscos excessivos, e cuja ocorrência leva ao colapso do mercado, com graves repercussões macroeconômicas. Repentinamente, o período da “mania” se transforma em pânico.

Marcus André Melo - Governo derrapa

Folha de S. Paulo

Com Lula 3, o padrão de relações Executivo-Legislativo ainda não está consolidado, mas há um elemento novo. Se em Lula 1 e 2, o Executivo predominou, e com Dilma, entrou em confronto e malogrou, com Lula 3, a postura do presidente é de delegação seletiva, onde a política externa passa a ser variável importante e inédita.

Sob Bolsonaro, tivemos uma espécie de hiperdelegação às lideranças congressuais, contrastando com o padrão hegemônico nos governos do PT, em que o partido —favorecido por vários fatores— prevalecia. A fragmentação era menor do que a atual, e o partido pivô das coalizões de governo, o MDB, era o protagonista do conflito. No governo Dilma, o padrão ruiu por uma combinação de fatores.

Lygia Maria - Pessoas são agredidas; ideias, não

Folha de S. Paulo

Imputar crime a críticas sobre discursos de movimentos sociais revela fraqueza argumentativa e autoritarismo

O anúncio de uma série da HBO Max baseada no universo do personagem Harry Potter foi acompanhado de pedidos de boicote por parte da audiência. O motivo? A autora da saga, J.K. Rowling, seria transfóbica.

Boicotar é recurso válido no livre mercado. Se uma empresa usa trabalho escravo, consumidores podem escolher outra e aconselhar que os demais façam o mesmo.

Contudo, no caso em tela, é curioso que a ação se deva a uma opinião que não faz parte do conteúdo da série e tampouco é criminosa.

Carlos Pereira - Presidencialismo invertebrado

O Estado de S. Paulo

Blocos incongruentes surgem quando o presidente se abstém de vertebrar o jogo político

Em sistemas presidencialistas multipartidários é muito comum a existência de blocos formados por vários partidos, especialmente em ambientes com alta fragmentação partidária. Agrupar-se em blocos passa a ser uma estratégia racional de sobrevivência para que os partidos consigam ter mais influência no processo decisório e maior acesso a recursos de poder e financeiros, tanto no Legislativo como no Executivo.

No Brasil, a principal clivagem que tem vertebrado a formação de blocos partidários e orientado o comportamento de seus membros é aquela entre governo versus oposição. Por um lado, o presidente e seu partido têm exercido o papel de núcleo em torno do qual os demais partidos da coalizão de governo gravitam. Por outro lado, o maior partido de oposição, normalmente a legenda do candidato derrotado à Presidência, tornase a principal referência dos partidos que decidem não aderir à coalizão de governo.

Elimar Nascimento* - Um Luxo Chamado Silêncio

Revista Será? (PE)

Não vou deixar passar em silêncio um tema que tanto aprecio: o silêncio. Numa crônica, Umberto Eco profetiza, e vejo, com inteira razão, que, no futuro, só os ricos terão direito ao silêncio. Mas terão que comprá-lo. Só que o futuro, como diz a mídia, já começou. Os ricos, quase que de uma forma atávica, têm a arte de saberem se isolar; que o digam as ilhas desertas, as propriedades do campo, os recursos tecnológicos, os iates, as mansões bem afastadas dos vizinhos… Enfim, a classe média e os pobres que se virem com o barulho, que, aliás, os cerca de todos os lados, o que não é novidade para ninguém!

O barulho é quase uma definição do que é a modernidade. O sociólogo e antropólogo David Le Breton,  em seu ensaio “Du silence”, vai ao ponto: “O único silêncio que a utopia da comunicação conhece é aquele da pane, do desfalecimento da máquina, da parada de transmissão”. Com efeito, cercados de máquinas, temos que aprender a suportar seus ruídos, seus resfolegares, seus apitos. A tecnologia ainda não evoluiu para o silêncio, embora venha tentando.

Abraham Benzaquen Sicsú* - A Economia Mundial e a Inserção do Brasil

Revista Será? (PE)

Difícil compreender qual o papel que um país tem no jogo internacional. Como melhor se posicionar num mundo competitivo em que, queiram ou não, as relações comerciais se fazem presentes e são determinantes das condições de vida e riqueza de uma nação. Muitos são os aspectos a considerar, sejam econômicos, sociais, políticos, ambientais e mesmo ideológicos. A política externa é determinante para o modelo de desenvolvimento adotado e as tendências de uma economia capitalista.

As críticas à maneira como um país se insere são várias e, atualmente, chegam a ser ostensivas. Conversar com Venezuela, Cuba e Nicarágua é um crime de lesa a Pátria, dizem os analistas e a mídia especializada.

Parte-se da ideia de que o Brasil é o guardião de conceitos pouco claros como Democracia Liberal e, portanto, deve condenar e se afastar de qualquer país que não siga esse ideário. Também, deve ser o arauto dos Direitos Humanos e como tal condenar veementemente qualquer país que os transgrida. 

Somos defensores intransigentes desses direitos, mas, não conheço nenhum país que colocou essa questão de princípios acima de seus interesses econômicos, vejam, por exemplo, as relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, ou da Rússia com a Síria. Deve-se discordar e expressar as discordâncias, mas, deixar de relacionar-se civilizadamente em nada contribui para alterar a situação, cria barreiras que dificultam em muito o comércio e a estratégia de integração, além de colocar-nos como apêndices da política externa dos países centrais e seus interesses.

Demétrio Magnoli - As armas da paz

O Globo

O sucesso ou o fracasso das reformas francesas determinará a estabilidade da Zona do Euro

Exatos 20 anos atrás, em 16 de abril de 2003, a União Europeia (UE) firmava o tratado de acesso de dez países do antigo bloco soviético. Nas duas décadas seguintes, a UE enfrentou crises profundas, de natureza econômica e política. Mas a promessa original do projeto europeu — a paz pela integração, no lugar da integração pela guerra — não perdeu seu poder de atração.

A crise do euro, entre 2010 e 2012, abalou os pilares financeiros do bloco e acabou provocando novas iniciativas de integração fiscal, concluídas sob o impacto da pandemia de Covid-19. A ruptura britânica, deflagrada pelo plebiscito do Brexit, em 2016, que parecia anunciar a desagregação da UE, terminou comprovando a coesão do bloco.

Edu Lyra - De baixo para cima

O Globo

Apesar do histórico de negligência do poder público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder

A sociedade se acostumou a enxergar as favelas como espaços de vulnerabilidade social, de desigualdade e de abandono, espaços que são sinônimo de “problema”. Por isso um evento como o Favela Power, realizado no início deste mês, é tão importante.

Favelas são, de fato, territórios com inúmeras carências, mas também são polos de criatividade, inovação e empreendedorismo. Apesar do histórico de negligência do poder público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder.

A última edição do Favela Power reuniu cerca de mil lideranças sociais de todo o país, além de empresas e representantes do poder público, para discutir os grandes desafios da nossa época pelo ponto de vista das periferias.

Os temas debatidos vão do ESG às mudanças climáticas, sempre buscando incluir a agenda da favela nessas discussões. Afinal, não faz sentido refletir sobre a prevenção de catástrofes ambientais sem levar em conta o contexto de pobreza que empurra tantas famílias brasileiras para regiões de risco.

Fernando Gabeira - Educação pela queda

O Globo

A França percebeu que a vitória alemã não se explicava apenas em termos bélicos, mas também pela escolaridade

Quase não escrevo sobre educação. Preciso opinar de vez em quando sobre problemas específicos, como a reforma do ensino médio. Para isso, me valho de referências como Simon Schwartzman, Cristovam Buarque e Ricardo Henriques. Mas o tema é tão fascinante que às vezes me faço algumas perguntas, releio alguns livros como este de George Steiner: “Lições dos mestres”.

Foi nesse trabalho tão erudito que encontrei um trecho que me fez lembrar o Brasil. Fala da humilhação da França depois da derrota militar de 1870-71. De repente, o país percebeu que a vitória alemã não se explicava apenas em termos bélicos, mas também pela escolaridade sistemática e de ideias tanto científicas como humanísticas. O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas criaram uma situação que deixava exposto o amadorismo descuidado dos costumes franceses.

O fracasso militar inspirou a França a iniciar um processo diferente, em que a educação tinha um peso primordial. Tão importante que, algumas décadas depois, a França era um país de professores, todo mundo estava estudando ou às vésperas de prestar um exame.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Senado tem de vetar mudanças na Lei da Mata Atlântica

O Globo

Emendas em MP aprovada na Câmara com aval do Planalto afrouxam controle de desmatadores

Restam apenas 24% da cobertura vegetal nativa da Mata Atlântica, mas ainda há quem queira continuar a derrubá-la. A mais nova manobra dos desmatadores ocorreu no Congresso, com a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 1.150, emitida ainda no governo Bolsonaro.

A MP foi o veículo usado por parlamentares a serviço dos interesses dos desmatadores para anexar emendas sem relação direta com o teor do texto, os proverbiais “jabutis”. O objetivo era alterar o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica, de 2006, para facilitar o desmatamento, sob o pretexto da execução de projetos de turismo, estradas, atividades agropecuárias e toda sorte de obras que põem em risco o meio ambiente.

Relatada pelo deputado Sergio Souza (MDB-PR), a conversão da MP em lei, da forma como foi feita, representa, nas palavras de Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, o “sonho de consumo” da bancada da Câmara a serviço dos interesses de desmatadores.