Folha de S. Paulo
Autoridades reforçam punições e fazem
campanha por regulação de redes, em data com inevitáveis interesses políticos
em jogo
Além dos esperados desagravos e adjetivos
carregados, as cerimônias em memória dos atos
golpistas de 8 de janeiro serviram para renovar uma espécie de
força-tarefa formada por algumas das autoridades mais poderosas de Brasília.
O evento principal, que reuniu chefes do
Executivo, do Legislativo e do Judiciário, repetiu o caráter simbólico das
primeiras reações aos ataques, ainda no início de 2023. Um ano depois, a
reunião desses mesmos atores também foi palco da defesa de uma agenda mais
concreta.
Boa parte dos discursos passou por um tripé que se consolidou como linha mestra da resposta aos ataques: a punição exemplar aos envolvidos nos atos, a regulação das redes sociais em que se cultivou o caldo dos ataques e um isolamento dos grupos políticos que alimentaram os desejos golpistas.
Ainda que um imperativo democrático deixe
pouca margem para contestação ao lema dos eventos, nenhuma das ações propostas
apareceu desprovida dos interesses políticos de certos grupos. Era evidente que
cada autoridade aproveitaria o repúdio aos ataques para impulsionar plataformas
ou decisões de sua preferência.
As penas impostas aos invasores dos prédios
dos três Poderes e a defesa de uma investigação ampla contra outros envolvidos
apareceram já
no discurso de Luís Roberto Barroso, numa primeira cerimônia, na sede
do STF.
O presidente do tribunal apontou que a corte
trabalhava para que as punições fossem didáticas, acrescentando que a
condescendência seria um incentivo para que os derrotados nas próximas eleições sentissem
liberdade para contestar o resultado mais uma vez.
O objetivo de Barroso era reforçar uma marca
do STF neste último ano. Num tribunal notoriamente dividido, a
reação aos golpistas se revestiu de um caráter institucional, com uma
maioria confortável nas discussões em plenário (com a ressalva de uma certa
generosidade dos dois ministros indicados por Jair
Bolsonaro).
O respaldo de Barroso foi também uma opção
política diante de críticas feitas à condução das investigações e ao tamanho
das penas impostas aos condenados –feitas principalmente por apoiadores
fervorosos de Bolsonaro, mas também dentro do mundo jurídico.
Na prática, o presidente do STF deu guarida à
figura que se confunde com o esforço de punição aos golpistas: o ministro Alexandre
de Moraes. Em seu discurso, no Congresso, Moraes se comprometeu a manter o
rigor nas investigações e julgamentos.
Em especial, o ministro marcou seu
pronunciamento com um
rechaço a uma política de apaziguamento –tradicionalmente acionada
para evitar a punição de peixes grandes, sob o pretexto de evitar uma escalada
de tensões políticas.
Moraes descreveu esse caminho como o erro de
"alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser
devorado". Ninguém precisaria ler os pensamentos do ministro para supor,
com uma boa chance de acerto, que ele se referia ao avanço de investigações
contra Bolsonaro e militares.
Se Barroso e Moraes falaram em nome do
tribunal, onde os acusados enfrentam julgamento sob o manto da
imparcialidade, Lula emendou
um apelo inevitavelmente menos neutro. O presidente pediu uma punição exemplar
aos envolvidos nos ataques, sob o argumento de que um perdão soaria como um
salvo-conduto para condutas antidemocráticas.
A dobradinha entre o Executivo e o Judiciário
surgiu de forma igualmente evidente numa campanha pela criação de regras para o
conteúdo distribuído nas redes sociais. Tanto Lula como Moraes, enfático
defensor dessa regulação, aproveitaram o palanque para empurrar a agenda, que
ficou travada no Congresso.
Lula confirmou as intenções do governo de
aplicar seu peso político na aprovação de um projeto sobre
o conteúdo das plataformas digitais. "Nossa democracia estará sob
constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes
sociais", disse.
Aqui, o presidente inevitavelmente atiça
opositores dessas medidas, capitaneados pelo próprio Jair Bolsonaro. Ao assumir
a regulação das redes como prioridade, Lula revolve teorias de que o governo
tem interesse em fazer um controle político do conteúdo das plataformas.
O peso dado por Moraes ao tema em seu
pronunciamento indica que o ministro pretende brigar na linha de frente pela
aprovação do projeto. O ministro se referiu ao uso das redes por radicais como
"um dos grandes perigos modernos à democracia" e usou mais de uma vez
a expressão "novo populismo digital extremista" para descrever a
ameaça.
A formatação dos eventos desta segunda-feira
(8), sob a bandeira da união pela democracia, tentava ainda reeditar um lance
que conseguiu isolar um núcleo político golpista nos dias que se seguiram aos
ataques de 2023.
Se no dia 9 de janeiro do ano passado
governadores de diversos partidos marcharam
ao lado de Lula na praça dos Três Poderes, desta vez alguns dos principais
personagens alinhados ao bolsonarismo preferiram se ausentar.
Alguns argumentaram que as
cerimônias estavam politicamente contaminadas ou havia protagonismo
excessivo do governo Lula –algo que nem
o próprio presidente fez muita questão de esconder.
Ainda assim, os ausentes passaram um recibo difícil de ignorar. Mesmo que quisessem marcar alguns pontos com Bolsonaro ou apenas evitar que Lula tirasse proveito de suas presenças, aquela pareceu uma péssima hora para marcar uma posição.
Verdade.
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