terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe?

Folha de S. Paulo

Última linha de defesa dos atos é dizer que houve apenas vandalismo desesperado

A última linha de defesa dos atos de 8 de janeiro de 2023 é dizer que não foram uma tentativa de golpe, mas apenas um vandalismo desesperado. Será? Vamos aos fatos.

O dia 8 de janeiro não nasceu do nada. Foram anos de discursos mentirosos acusando nosso sistema eleitoral e meses de acampamentos golpistas em frente a quarteis clamando aos militares por um golpe de Estado. Foi a esses manifestantes que Braga Netto disse em novembro: "Tenham fé". Foi com eles que Michelle Bolsonaro orou. Dos mesmos acampamentos saíram os atos de vandalismo da noite de 12 de dezembro em Brasília e ainda a tentativa de explodir um caminhão tanque no aeroporto de Brasília em 24 de dezembro. Mais do que o suficiente para criar o clima de pânico que poderia justificar uma intervenção militar.

Esse era o objetivo único. A invasão do dia 8, já desesperada porque a troca de poder ocorrera sem obstáculos, buscava promover um tumulto tal que provocasse a intervenção militar para garantir a ordem e, na sequência, sob algum pretexto qualquer, tirar Lula do poder.

Como posso afirmar isso com tanta certeza? Os próprios invasores que o disseram. Nos dias anteriores, enquanto conclamavam mais gente a se reunir em Brasília, divulgavam a "tomada de poder". No próprio dia 8, placas pedindo intervenção militar. Tivemos ainda o caso de Matheus Lima de Carvalho Lázaro, mandou essa mensagem à esposa aflita que ficara em casa: "Tem que quebrar tudo, para ter reforma, para ter guerra, amor. Guerra! Para o Exército entrar. Entendeu? A gente tem que fazer isso aí para o Exército entrar, e todo mundo ficar tranquilo." Outra invasora, Fátima de Tubarão, apareceu em vídeo gritando: "Vamos para a guerra, é guerra agora. Vamos pegar o Xandão agora". Não faltam exemplos.

E havia motivo para acreditar que o Exército pudesse aderir? Sim. Dentro do Exército não faltava quem desejasse intervenção. Era o caso do coronel Jean Lawand, que, em mensagem a Mauro Cid —homem de confiança de Bolsonaro— implorava: "Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem, que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo." Cid justificou a inação do ainda presidente: "Mas o Pr não pode dar uma ordem… se ele não confia no ACe." [Alto Comando do Exército]. Lawand responde enfático: "Então ferrou... Vai ter que ser pelo povo mesmo."

O ex-major Ailton Barros garantia que bastava Bolsonaro pedir que o Exército aderiria. Além de confiança no Alto Comando, contudo, o que faltou a Bolsonaro foi coragem. Suas palavras finais, logo antes de partir para a segurança dos EUA, em 9 de dezembro, foram: "E hoje estão vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai a Câmara e o Senado, são vocês também." Encruzilhada? Mas a eleição já tinha passado…

O golpe de Estado é um crime com uma característica muito particular: ele só pode ser punido se não acontecer. Um golpe bem-sucedido, ao instaurar uma nova ordem política, anula as condições em que ele poderia ser julgado. Só discutimos as punições ao golpe bolsonarista, portanto, porque ele falhou. Os golpistas utilizados por Bolsonaro e militares como bucha de canhão tinham recebido todos os sinais em apoio a seu ato de loucura. Por que só eles foram punidos?

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