Folha de S. Paulo
Última linha de defesa dos atos é dizer que
houve apenas vandalismo desesperado
A última linha de defesa dos atos de
8 de janeiro de 2023 é dizer que não foram uma tentativa de golpe, mas
apenas um vandalismo desesperado. Será? Vamos aos fatos.
O dia 8 de janeiro não nasceu do nada. Foram
anos de discursos mentirosos acusando nosso sistema eleitoral e
meses de acampamentos golpistas em frente a quarteis clamando aos militares por
um golpe de Estado. Foi a esses manifestantes que Braga
Netto disse em novembro: "Tenham
fé". Foi com eles que Michelle
Bolsonaro orou. Dos mesmos acampamentos saíram os atos de vandalismo
da noite de 12 de dezembro em Brasília e
ainda a tentativa de explodir um caminhão
tanque no aeroporto de Brasília em 24 de dezembro. Mais do que o
suficiente para criar o clima de pânico que poderia justificar uma intervenção
militar.
Esse era o objetivo único. A invasão do dia 8, já desesperada porque a troca de poder ocorrera sem obstáculos, buscava promover um tumulto tal que provocasse a intervenção militar para garantir a ordem e, na sequência, sob algum pretexto qualquer, tirar Lula do poder.
Como posso afirmar isso com tanta certeza? Os
próprios invasores que o disseram. Nos dias anteriores, enquanto conclamavam
mais gente a se reunir em Brasília, divulgavam a "tomada de poder".
No próprio dia 8, placas pedindo intervenção militar. Tivemos ainda o caso
de Matheus
Lima de Carvalho Lázaro, mandou essa mensagem à esposa aflita que ficara em
casa: "Tem que quebrar tudo, para ter reforma, para ter guerra, amor.
Guerra! Para o Exército entrar. Entendeu? A gente tem que fazer isso aí para o
Exército entrar, e todo mundo ficar tranquilo." Outra invasora, Fátima
de Tubarão, apareceu em vídeo gritando: "Vamos para a guerra, é guerra
agora. Vamos pegar o Xandão agora". Não faltam exemplos.
E havia motivo para acreditar que o Exército
pudesse aderir? Sim. Dentro do Exército não faltava quem desejasse intervenção.
Era o caso do coronel
Jean Lawand, que, em mensagem a Mauro Cid —homem
de confiança de Bolsonaro—
implorava: "Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê
a ordem, que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é
deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprir a ordem do, do
Comandante Supremo." Cid justificou a inação do ainda presidente:
"Mas o Pr não pode dar uma ordem… se ele não confia no ACe." [Alto
Comando do Exército]. Lawand responde enfático: "Então ferrou... Vai ter
que ser pelo povo mesmo."
O ex-major Ailton Barros garantia que bastava
Bolsonaro pedir que o Exército aderiria. Além de confiança no Alto Comando,
contudo, o que faltou a Bolsonaro foi coragem. Suas
palavras finais, logo antes de partir para a segurança dos EUA, em
9 de dezembro, foram: "E hoje estão vivendo um momento crucial, uma
encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro,
para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças
Armadas são vocês, quem decide para onde vai a Câmara e
o Senado,
são vocês também." Encruzilhada? Mas a eleição já tinha passado…
O golpe de Estado é um crime com uma
característica muito particular: ele só pode ser punido se não acontecer. Um
golpe bem-sucedido, ao instaurar uma nova ordem política, anula as condições em
que ele poderia ser julgado. Só discutimos as punições ao golpe bolsonarista,
portanto, porque ele falhou. Os golpistas utilizados por Bolsonaro e militares
como bucha de canhão tinham recebido todos os sinais em apoio a seu ato de
loucura. Por que só eles foram punidos?
Cadê os grandões?
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