Folha de S. Paulo
Contaminação do discurso democrata pelas
políticas identitárias faz ex-presidente prosperar
Trump bebe no copo do nazismo: há pouco,
parafraseando o "Mein Kampf", alertou para o "envenenamento do
sangue americano" pelo influxo de migrantes hispânicos. Trump responde,
como réu, à acusação de golpe de Estado: ele instruiu republicanos a fraudarem
resultados das eleições de 2020 e, no 6 de janeiro de 2021, incitou a invasão
do Capitólio para impedir a certificação da vitória de Biden. Como se explica,
então, que as pesquisas o colocam como favorito nas eleições presidenciais de
novembro próximo?
A resposta convencional, apoiada em sondagens, é que uma larga maioria de eleitores enxerga Biden como idoso demais para cumprir novo mandato. Daí decorrem as pressões –e articulações ainda subterrâneas– pela substituição do candidato presidencial democrata. Contudo, há algo mais profundo que escapa às análises protocolares: o Partido Democrata enfrenta rejeição popular superior à do Partido Republicano.
A economia dos EUA vai bem –muito melhor que
a da China, por sinal. O surto inflacionário amainou e virtualmente inexiste
desemprego. A ferida é outra: segundo pesquisa do Harvard Caps/Harris, 62%
avaliam que os democratas moveram-se para a esquerda em demasia, enquanto 57%
pensam que os republicanos moveram-se excessivamente para a direita. Dito de
outro modo: nos EUA de hoje, um partido preso à liderança extremista de Trump
aparece como opção eleitoral menos radical!
O resultado surpreendente representa uma
reversão das percepções vigentes em 2020. Você tem, claro, o direito de
procurar conforto nas "teorias" de uma "sociologia"
infantil difundida em redes sociais: os americanos seriam congenitamente
direitistas, preconceituosos ou fascistas. Mas tente evitar o escapismo
ideológico: os mesmos americanos elegeram duas vezes Barack Obama e, segundo a
pesquisa mencionada, 63% deles gostariam de ter "outra escolha" no
lugar do binômio Biden/Trump.
O ponto, refletido em diversas sondagens, é a
contaminação do discurso democrata pelas políticas identitárias. Aos olhos do
eleitorado, o partido que aprendeu a falar para a maioria com as políticas
sociais do New Deal e com a cisão antirracista da Lei dos Direitos Civis
converteu-se numa igrejinha subordinada aos dogmas da esquerda universitária.
Na sondagem citada, 64% julgam as universidades rendidas a políticas
identitárias baseadas na raça, 69% qualificam a tese de que os brancos são
opressores como prejudicial à sociedade e 73% consideram falsa a identificação
dos judeus como um estamento de opressores.
O paradigma clássico da ciência política diz
que o caminho para o triunfo eleitoral exige a conquista do centro do espectro
ideológico. Como regra, os candidatos que obtêm sucesso nas disputas
majoritárias são aqueles capazes de ocupar o centro da arena, onde se concentra
a maior parcela do eleitorado. É por isso que o sistema democrático isola os
extremos, inclinando-se à moderação. A ruptura da regra –ou seja, a vitória de
líderes extremistas– sinaliza uma crise da democracia. Nos EUA, a fonte da crise
deve ser buscada no desvio histórico dos democratas rumo às políticas
identitárias.
Biden derrotou Trump, em 2020, seguindo o
manual da conquista do centro. Seu partido, porém, não o acompanhou. O discurso
público dos democratas, controlado pela ala esquerda, replica os dogmas
identitários raciais fabricados nas universidades. A chamada Teoria Crítica da
Raça, livro sagrado da seita, substitui o conceito de classe social pelo de
raça, apresentando a maioria dos americanos como uma "classe
opressora". Trump prospera nesse cenário político, explorando as
inseguranças, os temores e os ressentimentos dessa maioria.
O Brasil não é os EUA. O PT evita habilmente
os excessos identitários, terceirizando-os ao PSOL. Mas a força persistente do
bolsonarismo tem a mesma raiz do vigor do trumpismo.
O preconceito está triunfando.
ResponderExcluirPara Magnoli, quase tudo é CULPA DA ESQUERDA... A tendenciosidade é parte do estilo do colunista.
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