Folha de S. Paulo
Sobre conciliação e impunidade
"Eu tenho parentes lá",
explicava José
Múcio, com uma franqueza quase infantil, logo depois de tomar posse. Para o
ministro da Defesa de Lula, os
acampamentos na frente dos quartéis do Exército, em diversas cidades de muitos
estados, pedindo intervenção militar para a anulação da eleição
presidencial, eram "manifestação da democracia".
Regados a discursos inflamados, cumplicidade
militar, churrascos, gincanas, banheiros químicos e shows de música gospel, os
acampamentos (continuidade política da obstrução de estradas por caminhoneiros)
já haviam emitido sinais de periculosidade.
Em 12 dezembro, diplomação de Lula no TSE, acampados tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília em represália à prisão de indígena bolsonarista. Cenas de quebra-quebra, bloqueio de ruas, incêndio de automóveis e ônibus.
Dias antes, o presidente Bolsonaro rompia
o silêncio de mau perdedor mandando recado para apoiadores: "Quem decide o
meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai (sic)
as Forças
Armadas são vocês".
O primeiro ensaio de golpe conta com a
omissão das forças policiais. Ninguém foi preso em flagrante na noite dos
distúrbios pela Polícia
Militar, comandada pelo governador Ibaneis Rocha.
Talvez seja o único caso de quebra-quebra sem detenção de ninguém na história
do Brasil.
O ministro da Justiça, Anderson
Torres, jantava fora com a família. Só se manifestou sobre o tumulto que
aterrorizou Brasília,
com a gravíssima tentativa de invasão daPF, por ele comandada, depois de
encerrada a janta, pelo então Twitter ("tudo será apurado"), quando a
suspeita de omissão já estava no ar.
Os dias passam, Anderson Torres, o omisso de
confiança de Jair Bolsonaro, foi nomeado secretário de Segurança Pública
do Distrito
Federal por Ibaneis Rocha. É como designar o bode para gerir a horta.
O cenário do golpe permanece montado, apesar da sucessão.
Um ano depois, o STF trata o
8/1 como "dia da infâmia". Foram instauradas 1.354 ações penais
contra acampados. Trinta condenações. As penas variam de três a 17 anos de
prisão. Foram celebrados 38 acordos, encerrando processos de réus que não
participaram diretamente de depredações. Há 66 presos preventivamente. As
defesas se sentem cerceadas, reclamam dos julgamentos virtuais.
Mas nem tudo é pressa no Distrito Federal. A
nata golpista, nela incluído Jair Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE (tem
mais de dois votos no STF), permanece em compasso de espera e tolerância.
Denúncia criminal contra a cúpula da PM de
Ibaneis Rocha, apresentada pela PGR em agosto,
ainda não foi apreciada pelo STF.
Não há ação penal contra Anderson Torres,
preso e solto, com tornozeleira eletrônica, pelo STF. Nem contra Ibaneis:
ex-presidente da OAB-DF,
o governador aparentemente fez as "pazes" com os guardiães da
democracia. Afastado do governo, submergiu e voltou ao poder, discreto, com
eventuais falas protocolares contra golpistas.
Não há notícia de processo contra comandantes
militares que viabilizaram os acampamentos. Não se sabe quais e quantos
oficiais são investigados. Para o Exército, nada é grave, só há "infração
disciplinar".
A tão almejada "conciliação" do
país (ou das autoridades) com as Forças Armadas, é capaz de replicar, em
relação aos acontecimentos de 8/1, o desfecho cínico da ditadura:
impunidade. Além de reverberar, é claro, o inabalável princípio de que cadeia é
boa para pés de chinelo.
*Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"
Em 9/10, o filósofo bolsonarista, na coluna intitulada por ele "Golpe?", fez uma meticulosa análise DESCARTANDO que tenha havido tentativa de golpe em 8/1. Segundo ele, "O que houve no 8 de Janeiro foi uma espécie de estertor do bolsonarismo, com seus fiéis ainda acreditando numa narrativa ‘revolucionária’ evanescente". Ou seja, não houve apoio militar e nem participação deste setor, nem tentativa articulada dos bolsonaristas, nem cumplicidade das forças militares e de segurança com os golpistas, enfim, foi quase um dia normal. Novamente, o pseudofilósofo demonstrou sua total despreocupação com a verdade, e mostrou sua usual TENDENCIOSIDADE de prestigiar/defender militares, conservadores e outros membros e interesses da Direita ou do Conservadorismo, que o levou a APOIAR BOLSONARO na eleição de 2018.
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