Yascha Mounk, que lança novo livro, minimiza desinformação nas redes sociais, aponta risco da ascensão de herdeiros da extrema-direita e compara ex-presidente, inelegível, a Trump, candidato: ‘Escolha dos brasileiros não estava disponível a americanos’
Paulo Celso Pereira / O Globo
Autor de ‘O povo contra a democracia’, o
cientista político Yascha Mounk, professor da Universidade Johns Hopkins, lança
no Brasil em
fevereiro ‘O grande experimento’ (Companhia das Letras), no qual discute como
as democracias com ampla diversidade étnica podem triunfar. Nascido na Alemanha
e naturalizado americano, Mounk tem uma visão mais otimista que muitos autores
contemporâneos e aponta progressos significativos nos direitos de grupos menos
favorecidos: “Precisamos analisar a situação de maneira equilibrada”, alerta.
O senhor afirma no livro que há, tanto na
direita quanto na esquerda, um “pessimismo que distorce a realidade” sobre a
democracia. A situação é melhor do que os dois lados sugerem?
Sim. Nos Estados Unidos, democratas e republicanos não conseguem concordar em quase nada. Mas uma coisa com a qual concordam é que há uma séria ameaça às instituições democráticas. Há uma crise política em muitos países decorrente da ascensão de populistas. Mas a tendência nas últimas décadas é positiva. Tivemos uma grande ascensão das mulheres, expansão da tolerância para gays e lésbicas, e há muito mais representação de minorias étnicas nos níveis mais altos da sociedade, dos negócios e da política.
Então estamos em um dos melhores momentos da
democracia?
Ao avaliar como estamos construindo
democracias profundamente diversas, as pessoas se desanimam. Mas quando você
olha para a história da humanidade e para os conflitos atuais, vê que é muito
comum formas extremas de discriminação, violência e guerra contra quem tem uma
religião, cor de pele ou origem étnica diferentes. É claro que ainda há muita
segregação racial nos EUA, e isso é um problema sério. Há muita discrepância
socioeconômica entre brasileiros de pele mais clara e mais escura. Isso também
é um problema real. Mas quando você compara com 50 anos atrás, podemos
encontrar um pouco mais de consolo.
O senhor afirma que políticas identitárias
excessivas podem levar pessoas moderadas a aderirem à extrema direita. Como?
Há uma crescente influência de uma ideologia
que coloca coisas como raça, gênero e orientação sexual no centro de sua
compreensão de quem as pessoas são, como elas devem pensar sobre si mesmas e
como devem ser tratadas. Nos EUA, por exemplo, muitas escolas que se consideram
progressistas acreditam que uma boa educação deve encorajar os alunos a se
verem como “seres raciais”. Muitas vezes, separam as crianças, já aos 6 ou 7
anos, em salas de aula separadas para negros, latinos, asiáticos e brancos. A
ideia de que isso vai criar uma grande geração de antirracistas vai contra tudo
o que aprendemos com a história e com a ciência social.
Por quê?
O modo como nos identificamos varia
enormemente. Alguém visto como negro nos EUA pode não ser visto como negro no
Brasil. Mas, uma vez que você se define por algum grupo específico, é muito
provável que você priorize os interesses desse grupo. Então, quando as escolas
encorajam os alunos brancos a assumirem a identidade racial branca, a
renunciarem aos privilégios, esses alunos têm muito mais probabilidade de se
tornarem supremacistas brancos do que grandes antirracistas.
O senhor afirma que a extrema direita no
Brasil adota posições semelhantes à de seus pares no exterior, mas não em
relação ao discurso étnico. O que o diferencia Bolsonaro de outros líderes da
direita global?
O eleitorado brasileiro é muito mais
diversificado do que o da Hungria ou Estados Unidos. É possível nesses outros
contextos construir uma maioria eleitoral com base em um forte apoio entre o
maior grupo étnico, com pouco apoio entre os demais. No Brasil, essa estratégia
eleitoral não funcionaria. Bolsonaro teve sucesso em conquistar uma parcela
significativa do voto entre os brasileiros não-brancos, especialmente entre
evangélicos. Isso faz de Bolsonaro um precursor sobre para onde estão indo
outros partidos populistas. O fato notável sobre Donald Trump neste
ano é que ele aumentou significativamente sua posição entre os eleitores
não-brancos, especialmente entre latinos, mas também entre asiático-americanos
e afro-americanos. Em algumas pesquisas, Trump está liderando entre os homens
latinos, por exemplo. Os populistas que fazem a escolha de tentar mobilizar uma
eleição demograficamente mais ampla têm se mostrado bem-sucedidos nisso.
O senhor afirma que países com fragmentação
política severa podem acabar tendo confrontos violentos.O senhor vê esse risco
para o Brasil ou os EUA?
O Brasil e os Estados Unidos tiveram
confrontos violentos, com um número de pessoas sendo mortas em protestos
políticos. Agora, o que você precisa para uma guerra civil real é uma crise
constitucional ou uma divisão de lealdade entre o Exército e a cadeia de
comando civil. Esse risco permanece extremamente baixo nos Estados Unidos. Mas
há um pouco mais de motivo para se preocupar na América Latina, e no Brasil em
particular, por causa do histórico de governos militares. É por isso que
Bolsonaro tenta mobilizar os militares e coloca ex-generais em posições
políticas de destaque. Por enquanto, o Exército brasileiro resistiu à tentação
de se envolver na política dessa maneira, e isso é mérito da liderança militar
e um tanto tranquilizador.
No Brasil, Bolsonaro foi banido das eleições
de 2026, enquanto Trump é um candidato competitivo neste ano. Qual país deu a
melhor resposta para sua crise?
As duas situações eram menos análogas do que
parecem. No Brasil, você tem um sistema partidário fraco com muitas legendas.
Muitas pessoas que eram aliadas de Bolsonaro puderam facilmente se distanciar
quando sentiam que ele tinha ultrapassado os limites ou que não era mais útil.
Isso tornou possível excluir Bolsonaro da cena política sem uma crise
constitucional. Nos Estados Unidos, o sistema eleitoral leva a uma divisão
entre dois partidos políticos que é muito difícil de superar. Trump tem apoio
suficiente entre os eleitores republicanos nas primárias que pode levar ao fim
da carreira de qualquer político de direita que não concorde com seus desejos.
No Brasil, foi possível construir um consenso que ia desde a extrema esquerda
até a direita robusta para excluir Bolsonaro de cena. A escolha dos brasileiros
não estava disponível para os americanos.
E como evitar que populistas retomem o poder?
A única proteção real contra populistas está
nas urnas. No entanto, quando se trata de políticos com enorme popularidade,
seus filhos, cônjuges ou aliados políticos podem voltar e vencer de qualquer
maneira. Portanto, a longo prazo, o que é necessário é reduzir o apoio a esses
políticos.
A força de Trump este ano é um alerta para a
esquerda brasileira?
Sim, na história do populismo, retornos
improváveis são muito comuns. No Peru, a filha de Fujimori quase foi eleita há
alguns anos. A Argentina foi destroçada por décadas de peronismo. É uma tarefa
para todo o espectro político brasileiro evitar o retorno de um político no
estilo de Bolsonaro. É um aviso para a esquerda não alienar o centro político,
não se engajar em políticas que possam polarizar o país de uma maneira que crie
essa abertura. Mas é também um aviso para a direita brasileira seguir em frente
com seu caminho, baseado em princípios e valores, e não se curvar a demagogos
perigosos como Bolsonaro.
Qual papel a direita deve desempenhar?
Deve ser genuinamente fiel às convicções
políticas conservadoras. E é preciso falar com milhões que não são altamente
educados, não estão nas grandes cidades, talvez queiram diminuir um pouco a
velocidade das mudanças e têm reservas sobre a direção do mundo. Mas falar com
eles com base em valores democráticos, em valores cristãos e humanistas,
rejeitando a demagogia e o ódio racial.
O senhor afirma que a melhor forma de
consolidar a democracia é sair de nossas bolhas. As redes sociais estão no
coração da nossa crise?
A importância que se dá à desinformação é exagerada. A preocupação mais profunda deve ser com o fato de que as redes sociais podem nos isolar em câmaras de eco, quebrar normas de civilidade, só mostrar o pior do outro. Você passa a ser convencido de que quem está do outro lado do espectro político é extremamente estúpido, radical e perigoso. E nossa elite social é tão vulnerável quanto os cidadãos comuns. É um desafio convencer meus colegas de que o americano médio não é uma pessoa terrível. Ao perder o contato com a forma como as pessoas comuns realmente pensam, se torna fácil caricaturá-las como pessoas ruins. A maioria é de pessoas ponderadas e sensatas, que querem o melhor para o país, e que ficam irritadas quando sentem que a injustiça. E isso é parte do que me dá um pouco de esperança.
Entrevista Esclarecedora.
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