O Globo
Lembrar o 8 de janeiro é especialmente
importante diante do revisionismo torpe
Na próxima segunda-feira comemoraremos o
primeiro aniversário dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A data precisa
entrar no calendário cívico brasileiro, como parte de nossa memória
democrática, da mesma maneira como nos lembramos com pesar do 31 de março de
1964.
Lembrar o 8 de janeiro é especialmente importante diante do revisionismo torpe que quer fazer parecer que houve apenas uma manifestação pacífica de cidadãos, sem liderança e sem armas. De acordo com essa leitura mentirosa, o vandalismo foi cometido por petistas infiltrados, estimulados pela negligência das forças de segurança.
É bem possível que inocentes úteis tenham
participado da marcha até a sede dos três Poderes, e é certo que autoridades
não responderam ao ataque de maneira responsável. Mas nada disso deveria nos
desviar dos fatos, muito bem documentados.
A invasão das sedes dos três Poderes não foi
um fato isolado. Fez parte de uma sequência de eventos entre os dias 30 de
outubro de 2022 e 9 de janeiro de 2023 que — pela abrangência no tempo, pela
dispersão no território e pela sincronia — exigiu planejamento, coordenação e
financiamento, envolvendo milhares de pessoas numa tentativa de golpe de
Estado.
As ações coordenadas começaram logo depois da
divulgação do resultado das eleições na noite de 30 de outubro, com os
bloqueios de rodovias por caminhoneiros. Entre 30 de outubro e 9 de novembro
foram registrados 804 bloqueios totais ou parciais de rodovias, com forte
concentração no Sul e no Sudeste.
Uma segunda onda de bloqueios tomou o país na
segunda quinzena de novembro, com ênfase em Mato Grosso, e o
uso de táticas de guerrilha e terrorismo, como levantamento de barricadas,
incêndio de pontes e bombas caseiras. No dia 19 de novembro, um posto da
concessionária que administra a BR-163 foi atacado a tiros, e um caminhão e uma
ambulância incendiados. No dia 21, três carretas que furaram um bloqueio na
BR-163 em Mato Grosso também foram incendiadas.
Enquanto os bloqueios de rodovias seguiam,
foram convocados atos em frente aos quartéis no dia 2 de novembro em dezenas de
cidades. Alguns manifestantes permaneceram em frente às guarnições militares e
iniciaram os acampamentos que pediam “intervenção federal” e o cancelamento do
resultado das eleições. No dia 19 de dezembro, um boletim da inteligência do
Exército estimava 43 mil pessoas acampadas em frente a quartéis.
Entre os dias 6 e 9 de novembro, comboios com
centenas de caminhões vindos de Mato Grosso, Bahia, Goiás e Paraná se
dirigiram a Brasília tentando reproduzir o bloqueio da Esplanada dos
Ministérios de setembro de 2021. No dia 15 de novembro, 100 mil pessoas se
reuniram em frente ao QG do Exército em Brasília pedindo intervenção das Forças
Armadas.
No dia 12 de dezembro, centenas de militantes
protestaram em Brasília contra a prisão do cacique Serere, um bolsonarista
radical acusado de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de
Direito. Esses militantes invadiram a sede da Polícia
Federal, atacaram uma delegacia, bloquearam vias com botijões de gás,
depredaram lojas, incendiaram oito veículos e tentaram derrubar um ônibus em
chamas de um viaduto.
No dia 24 de dezembro, véspera do Natal,
militantes colocaram um explosivo num caminhão-tanque carregado com 60 mil
litros de querosene de aviação. A ideia era explodir o veículo no aeroporto de
Brasília, o que causaria centenas de mortes. Por sorte, o detonador falhou.
No dia 8 de janeiro, enquanto 4 mil
militantes invadiam e depredavam as sedes dos três Poderes em Brasília, outros
bloquearam o acesso a refinarias de petróleo em Araucária (PR), São José dos
Campos (SP), Barueri (SP), Manaus (AM), Canoas (RS) e Betim (MG). Na noite de 8
de janeiro, rodovias foram bloqueadas em Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. No dia 9
de janeiro, 11 torres de transmissão de energia foram atacadas e três delas
derrubadas, duas em Rondônia e uma no Paraná.
A Justiça pode ter se excedido na repressão —
acho que se excedeu —, e a cobertura da imprensa pode às vezes ter tratado o
radicalismo antidemocrático de alguns milhares como se caracterizasse os
milhões de eleitores de Bolsonaro. Mas nenhum desses erros autoriza o erro
muito mais grave de menosprezar o que aconteceu.
Não precisamos da minuta do golpe ou dos
fatos narrados na delação de Mauro Cid. Se
essa atordoante sequência de pedidos de intervenção militar, bloqueios de
rodovias, incêndios de veículos, explosões, bloqueios de refinarias, derrubadas
de torres de transmissão de energia, invasão e depredação das sedes de Poderes
da República não configura uma tentativa de golpe de Estado com o uso de
táticas de terrorismo, é porque o fanatismo está deixando as pessoas cegas, e
elas não conseguem mais reconhecer as coisas pelo nome.
PERFEITO! A ideia de que em 8/1 "houve apenas uma manifestação pacífica de cidadãos [transtornados], sem liderança e sem armas", foi apresentada pelo filósofo bolsonarista Denis Rosenfield em sua coluna há algumas semanas, inclusive neste blog. Nesta coluna de hoje, aqui, temos a completa réplica àquela tendenciosa coluna do pseudofilósofo inimigo da verdade.
ResponderExcluirEm 9/10, o filósofo bolsonarista, na coluna intitulada por ele "Golpe?", fez uma meticulosa análise DESCARTANDO que tenha havido tentativa de golpe em 8/1. Segundo ele, "O que houve no 8 de Janeiro foi uma espécie de estertor do bolsonarismo, com seus fiéis ainda acreditando numa narrativa ‘revolucionária’ evanescente". Ou seja, não houve apoio militar e nem participação deste setor, nem tentativa articulada dos bolsonaristas, nem cumplicidade das forças militares e de segurança com os golpistas, enfim, foi quase um dia normal. Novamente, o pseudofilósofo demonstrou sua total despreocupação com a verdade, e mostrou sua usual TENDENCIOSIDADE de prestigiar/defender militares, conservadores e outros membros e interesses da Direita ou do Conservadorismo, que o levou a APOIAR BOLSONARO na eleição de 2018.
ResponderExcluirhttps://gilvanmelo.blogspot.com/2023/10/denis-lerrer-rosenfield-golpe.html#more
Disse tudo!
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