sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Marcos Augusto Gonçalves - Vale a pena acabar com a reeleição?

Folha de S. Paulo

PEC tardia e duvidosa de Pacheco coincide com 'mea culpa' de FHC

Em 1997, o Congresso aprovou a emenda à Constituição que estabeleceu o direito à reeleição para ocupantes do Executivo. A legislação não ganhou prazo mais longo para entrar em vigor. Passou a valer para o pleito seguinte. O maior beneficiado foi o presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito antes de a Carta prever essa segunda chance.

Convenhamos que mudar as regras do jogo eleitoral da maneira que se fez, contemplando um governante no poder, não atende às melhores práticas democráticas.

Em meio a polêmicas e a um retrogosto de casuísmo golpista, o pacote acabou digerido e não faltaram argumentos para embelezá-lo. É inegável que a grande utilidade da emenda naquele momento residia na proteção do projeto tucano de estabilização da economia, ameaçado por uma possível vitória petista nas eleições de 1998, caso FHC não pudesse concorrer.

O próprio presidente fez 'mea culpa' pública da trama e colocou-se contra a reeleição. Considerou que seria ingenuidade não perceber que o eleito faz o "impossível" para garantir um segundo mandato e que o ideal seria um período de cinco anos sem direito à recondução.

proposta está agora na agenda do Congresso, com apoio do presidente do SenadoRodrigo Pacheco. Vem com a precaução elementar de só vigorar em outro ciclo eleitoral. O debate em tese não seria contaminado pelo imediatismo e por um teor golpista. Os lulistas que sonham com mais quatro anos do presidente não se veriam frustrados.

Se levada adiante, a PEC vai reciclar esse debate recorrente. O novo formato tornaria o sistema mais eficiente e democrático?

Haverá argumentos para os dois lados, inclusive para inscrever na emenda o cerceamento à reeleição no âmbito do Legislativo –que não obstante ponderações sobre sua adequação democrática, não tem como prosperar, já que a decisão dependerá dos parlamentares.

No atual sistema está claro que o cálculo político é montado desde o início de modo a propiciar condições para que o incumbente dispute a reeleição em boas condições. Se não conseguir, o ocupante da máquina ainda terá outros meios para se autobeneficiar.

Bolsonaro, por exemplo, não conseguiu, felizmente, impor-se como favorito –e foi o primeiro presidente que concorreu e perdeu. Porém, diante das dificuldades que se avolumavam, recorreu na reta final a expedientes os mais deletérios para tentar angariar votos e se manter no Palácio.

O abandono de padrões mínimos de responsabilidade fiscal, a tentação a adotar medidas populistas, o oportunismo e o casuísmo são desvios apontados pelos que criticam o modelo. E de fato não são estranhos à cultura política da reeleição no Brasil.

Quanto aos defensores do sistema em vigor, discursam de diferentes palanques do espectro político –de liberais que citam o presidencialismo americano a representantes da esquerda, caso da presidente do PTGleisi Hoffmann, que já classificou a ideia como um retrocesso antidemocrático.

A questão é que sabemos das origens, das imperfeições e também das vantagens da regra atual, que faz parte da democracia brasileira há quase 30 anos. Já o sistema alternativo é uma incógnita. Seria mesmo um aperfeiçoamento vantajoso ou uma abstração enganosa que traria turbulências desnecessárias? Não há sistemas imunes a defeitos, embora possam ser controláveis pela experiência histórica. A PEC do Pacheco, a essa altura, parece um risco tardio que não vale a pena correr.

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