Valor Econômico
Ao priorizar setores e aumentar as distorções
e custos impostos ao resto da economia, a nova política industrial reproduz
erros cometidos no passado
Nesta semana, o governo anunciou o plano Nova
Indústria Brasil (NIB), uma nova política industrial. Ele tem coisas novas e
coisas ruins. As novas não são boas.
O NIB parte da premissa de que uma indústria
forte seja pré-condição para o desenvolvimento de uma nação. Diante da queda da
participação da indústria no PIB brasileiro, observada nas últimas três
décadas, o diagnóstico é que o país está se desindustrializando precocemente,
não havendo possibilidade de os setores de serviços e agropecuária liderarem a
retomada do crescimento. Conclui que, a fim de reverter o processo, uma nova
política industrial se torna necessária.
Ocorre que isso já foi tentado no passado e não deu certo. Com raras exceções, após a retirada dos subsídios e apoios públicos, os setores beneficiados regrediram. A suposta novidade está no conceito de missões e de um setor público empreendedor. Esses pontos parecem ter como origem o pensamento da economista Mariana Mazzucato. A ideia de missão é congregar esforços de inúmeros órgãos públicos e do setor privado em torno de um objetivo estratégico. A atual política terá missões, ou objetivos temáticos, ligados aos setores de agroindústria, saúde, infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade.
Abaixo dessas missões estariam “metas
aspiracionais”, objetivos mais concretos que direcionariam os esforços e
financiamentos das políticas. Entre elas, reduzir o tempo de deslocamento dos
trabalhadores em 20%, aumentar o setor agroindustrial para 50% do PIB, produzir
domesticamente 70% dos medicamentos consumidos no país, transformar
digitalmente 90% das empresas etc.
Apesar da nova nomenclatura e de toda uma
narrativa original, a ideia é velha: setores e grupos privados são escolhidos
por burocratas, fixando-se debaixo deles metas específicas. Por trás dessas
políticas está outra visão de Mazzucato, a do Estado Empreendedor - título de
um de seus livros -, uma radicalização do que já se viu no passado. A premissa
é que as grandes inovações sempre tiveram por trás a ação de governos, de modo
que, se deixado somente a cargo da iniciativa privada - sempre caracterizada
por falta de visão nacional, comportamento predador e foco no curto prazo -, as
nações não se desenvolveriam. Essas ideias são altamente questionáveis e não
possuem qualquer evidência mais forte além da narrativa e retórica da autora.
Parece-nos uma mera requentada de ideias desenvolvimentistas antigas, vendidas
agora com um branding moderninho.
O plano de ação e a forma de financiá-lo
ainda está bastante vago. O que se apresenta, entretanto, é preocupante. Entre
os principais instrumentos do NIB estão créditos tributários, requisitos de
conteúdo local, subvenções e empréstimos. Nada de novo aqui, apesar de esses
instrumentos ainda não estarem claramente definidos. Mas repetem-se estratégias
do passado, como a Nova Matriz Econômica, que custaram caro e não deram certo.
Além disso há uma estranha ideia de utilizar
compras governamentais para alavancar o desenvolvimento da indústria. Uma
comissão interministerial decidirá os setores em que se exigirá a aquisição de
bens e serviços nacionais, mesmo que mais caros. Tem-se aqui uma receita para o
desastre - imagine a burocracia necessária e ineficiência - toda a economia
pagando mais em benefício dos escolhidos.
O NIB cria mais problemas fiscais à frente.
Ao longo de 2023, o ministro Haddad costurou a aprovação de seu arcabouço
fiscal. Este baseou-se em elevação de receitas para cobrir o aumento de
despesas em 1,5% do PIB, gestado por Lula ainda antes da posse. Há grande
desconfiança em relação ao cumprimento das metas fiscais definidas no
arcabouço. Não apenas os mercados, mas também instituições públicas
independentes, como o TCU, preveem déficit primário de, pelo menos, R$ 50
bilhões em 2024.
O NIB sinaliza uma descoordenação entre as
lideranças da área econômica: de um lado, Haddad e Tebet trabalham pelo
cumprimento do arcabouço fiscal; de outro, Alckmin e Mercadante promovem os
gastos. Um programa cuja difícil implantação pressupõe uma ação cooperativa de
ministérios distintos não tem chance de dar certo nesse ambiente. Ao aprofundar
a desconfiança em relação à determinação do governo em cumprir o arcabouço
fiscal, o NIB gera elevação dos juros de longo prazo, inibindo investimentos,
na contramão dos objetivos do programa. Obviamente a solução pode ser aumento
de impostos, o que também afetará negativamente no longo prazo o crescimento.
O Brasil tem um problema de produtividade
generalizado - todos os setores são pouco produtivos - o que reflete distorções
- tributárias, educacionais, burocráticas, regulatórias etc. - que afetam
negativamente a economia como um todo. O país não é atrasado porque promove os
setores errados, afinal o atraso está presente em todos os setores. Ao escolher
alguns setores e aumentar as distorções e custos impostos ao resto da economia,
a nova política industrial reproduz erros cometidos no passado e provavelmente
terá o mesmo resultado: setores beneficiados crescerão temporariamente,
enquanto os incentivos durarem, mas o impacto de longo prazo sobre a economia
será nulo, quando não negativo, como foi o caso da Nova Matriz Econômica.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da
EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
*Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e
Finanças (EPGE-FGV).
A conferir.
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