quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Pedro Cavalcanti Ferreira/Renato Fragelli Cardoso* - A velha nova política industrial

Valor Econômico

Ao priorizar setores e aumentar as distorções e custos impostos ao resto da economia, a nova política industrial reproduz erros cometidos no passado

Nesta semana, o governo anunciou o plano Nova Indústria Brasil (NIB), uma nova política industrial. Ele tem coisas novas e coisas ruins. As novas não são boas.

O NIB parte da premissa de que uma indústria forte seja pré-condição para o desenvolvimento de uma nação. Diante da queda da participação da indústria no PIB brasileiro, observada nas últimas três décadas, o diagnóstico é que o país está se desindustrializando precocemente, não havendo possibilidade de os setores de serviços e agropecuária liderarem a retomada do crescimento. Conclui que, a fim de reverter o processo, uma nova política industrial se torna necessária.

Ocorre que isso já foi tentado no passado e não deu certo. Com raras exceções, após a retirada dos subsídios e apoios públicos, os setores beneficiados regrediram. A suposta novidade está no conceito de missões e de um setor público empreendedor. Esses pontos parecem ter como origem o pensamento da economista Mariana Mazzucato. A ideia de missão é congregar esforços de inúmeros órgãos públicos e do setor privado em torno de um objetivo estratégico. A atual política terá missões, ou objetivos temáticos, ligados aos setores de agroindústria, saúde, infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade.

Abaixo dessas missões estariam “metas aspiracionais”, objetivos mais concretos que direcionariam os esforços e financiamentos das políticas. Entre elas, reduzir o tempo de deslocamento dos trabalhadores em 20%, aumentar o setor agroindustrial para 50% do PIB, produzir domesticamente 70% dos medicamentos consumidos no país, transformar digitalmente 90% das empresas etc.

Apesar da nova nomenclatura e de toda uma narrativa original, a ideia é velha: setores e grupos privados são escolhidos por burocratas, fixando-se debaixo deles metas específicas. Por trás dessas políticas está outra visão de Mazzucato, a do Estado Empreendedor - título de um de seus livros -, uma radicalização do que já se viu no passado. A premissa é que as grandes inovações sempre tiveram por trás a ação de governos, de modo que, se deixado somente a cargo da iniciativa privada - sempre caracterizada por falta de visão nacional, comportamento predador e foco no curto prazo -, as nações não se desenvolveriam. Essas ideias são altamente questionáveis e não possuem qualquer evidência mais forte além da narrativa e retórica da autora. Parece-nos uma mera requentada de ideias desenvolvimentistas antigas, vendidas agora com um branding moderninho.

O plano de ação e a forma de financiá-lo ainda está bastante vago. O que se apresenta, entretanto, é preocupante. Entre os principais instrumentos do NIB estão créditos tributários, requisitos de conteúdo local, subvenções e empréstimos. Nada de novo aqui, apesar de esses instrumentos ainda não estarem claramente definidos. Mas repetem-se estratégias do passado, como a Nova Matriz Econômica, que custaram caro e não deram certo.

Além disso há uma estranha ideia de utilizar compras governamentais para alavancar o desenvolvimento da indústria. Uma comissão interministerial decidirá os setores em que se exigirá a aquisição de bens e serviços nacionais, mesmo que mais caros. Tem-se aqui uma receita para o desastre - imagine a burocracia necessária e ineficiência - toda a economia pagando mais em benefício dos escolhidos.

O NIB cria mais problemas fiscais à frente. Ao longo de 2023, o ministro Haddad costurou a aprovação de seu arcabouço fiscal. Este baseou-se em elevação de receitas para cobrir o aumento de despesas em 1,5% do PIB, gestado por Lula ainda antes da posse. Há grande desconfiança em relação ao cumprimento das metas fiscais definidas no arcabouço. Não apenas os mercados, mas também instituições públicas independentes, como o TCU, preveem déficit primário de, pelo menos, R$ 50 bilhões em 2024.

O NIB sinaliza uma descoordenação entre as lideranças da área econômica: de um lado, Haddad e Tebet trabalham pelo cumprimento do arcabouço fiscal; de outro, Alckmin e Mercadante promovem os gastos. Um programa cuja difícil implantação pressupõe uma ação cooperativa de ministérios distintos não tem chance de dar certo nesse ambiente. Ao aprofundar a desconfiança em relação à determinação do governo em cumprir o arcabouço fiscal, o NIB gera elevação dos juros de longo prazo, inibindo investimentos, na contramão dos objetivos do programa. Obviamente a solução pode ser aumento de impostos, o que também afetará negativamente no longo prazo o crescimento.

O Brasil tem um problema de produtividade generalizado - todos os setores são pouco produtivos - o que reflete distorções - tributárias, educacionais, burocráticas, regulatórias etc. - que afetam negativamente a economia como um todo. O país não é atrasado porque promove os setores errados, afinal o atraso está presente em todos os setores. Ao escolher alguns setores e aumentar as distorções e custos impostos ao resto da economia, a nova política industrial reproduz erros cometidos no passado e provavelmente terá o mesmo resultado: setores beneficiados crescerão temporariamente, enquanto os incentivos durarem, mas o impacto de longo prazo sobre a economia será nulo, quando não negativo, como foi o caso da Nova Matriz Econômica.

*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
*Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).

Um comentário:

Mais um amador disse...

A conferir.