Folha de S. Paulo
O que fazer para acertar uma nação? Fatiar os
problemas em pedaços manejáveis ou terapia de choque são opções
Convidado para uma palestra com executivos e
políticos do Zimbábue, o pedido da plateia foi direto: qual o primeiro passo
para acertar o país? Mas nada de diagnósticos e planos grandiosos. Ninguém ali
era inocente a ponto de achar que platitudes como "acabar com a corrupção,
diminuir o déficit público e melhorar a coleta de impostos" eram soluções
para nada.
A inflação na época estava em 600% ao ano e ninguém aguentava mais discutir diagnósticos. Queriam soluções práticas. Minha sugestão, que passamos a discutir com profundidade, foi a de criação de ilhas de excelência no setor público, para fatiar os problemas em pedaços manejáveis.
Outra opção é tentar uma terapia de choque,
mas sem boa preparação, qualquer plano econômico muito ambicioso em uma
economia frágil é fadado ao fracasso. Usei como exemplos de ilhas de excelência
o Banco
Central brasileiro, a Embrapa e o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), instituições onde a maioria
dos funcionários trabalha decentemente, o nível de corrupção, se houver, é
ínfimo, e há alguma proteção das instituições contra as ideias mais
tresloucadas dos presidentes.
São instituições super eficientes? Não, mas
para um país de renda média, instituições que fazem seu trabalho sem sugarem
recursos públicos loucamente são uma vitória (os maiores erros do BNDES vieram
da política econômica do governo e não de dentro da instituição, mesmo que
muitos funcionários tenham surfado na euforia).
É mais ou menos a mesma coisa em relação à
segurança pública no Brasil e no mundo. Entre milícias,
outros grupos de crime organizado, uma das maiores taxas de homicídio (e
desigualdades de renda) do mundo, presídios lotados onde as pessoas são
tratadas como animais, corrupção em partes das polícias, Judiciário lento e
ineficiente e outros problemas, por onde começar? Criar ou fortalecer parte do
instrumental público para combater parte do problema já seria um grande avanço.
Contrastei isso com os exemplos da Operação
Mãos Limpas, da Itália, e a Lava Jato, no Brasil. No primeiro caso, mesmo sem
ser perfeita, a operação surtiu efeito. Por exemplo, Daniele e coautores
(2020), em artigo publicado no Journal of Public Economics, mostram que os
municípios que tiveram políticos investigados pela operação ficaram menos
corruptos no longo prazo.
Era isso também que esperávamos da Operação
Lava Jato, mas de instituição competente e bem intencionada, não havia
nada. Ainda assim, vislumbramos um pouco o que seria um Brasil com políticos
com medo de serem pegos como corruptos; com certeza, estaríamos melhor hoje se
as instituições por trás da Lava Jato tivessem funcionado como deveriam.
Em relação ao Zimbábue, concordamos que
talvez começar com o Banco Central ou o Ministério da Fazenda seria o ideal em
termos de política macroeconômica, mas os detalhes seriam trabalhados por eles.
Afinal, quem conhece a realidade local sabe muito bem onde estão os maiores
gargalos.
Por aqui, sabemos blindar instituições contra
o pior da corrupção brasileira. Se um problema, como a segurança, parece amplo
demais, melhor fatiá-lo. No bom sentido. A questão é decidir por onde começar.
Focar nos presídios, saindo do modelo americano de punição para um modelo
europeu de reabilitação? Limpar parte da polícia, pouco a pouco? Não importa
onde começamos, vai ser difícil e demorar. Mas não tem outro jeito.
*Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
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